“Nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo”
O título do primeiro romance de Henrique Rodrigues incita a fazer alguns trocadilhos infames. Por
exemplo, antes de assistir à palestra do autor na Feira do Livro de Balneário
Camboriú, eu havia dito a ele, pelo Facebook,
que queria ser o primeiro da fila de autógrafos (como não sou muito esperto,
acabei sendo o último da fila, que acabou sendo pequena). Também disse que o
livro ia furar a fila de leitura, mas minha filha, mais ágil do que esse
crítico lento, pegou o livro primeiro, atraída pela capa com as apetitosas
batatas fritas. Como a fila anda, a vez de O próximo da fila (Record, 191
páginas) ainda demorou alguns meses para chegar, típico das filas deste país,
que costumam ser enormes, dobrar esquinas, às vezes são infinitas (o conto “A
fila”, de Murilo Rubião retrata de forma cômica e kafkiana essa instituição
brasileira). Alguém já disse que o brasileiro adora uma fila, pelo menos para
assistir a um show de um cantor famoso, mas não para pegar autógrafos de
escritores, é óbvio (salvo se esse escritor é um artista famoso em outro ramo).
As filas de fast-food também costumam
ser grandes.
É em torno de um desses “estabelecimentos que vendem lanches
preparados e servidos com rapidez” (sim, a expressão merece até um verbete no
dicionário Houaiss), que gira o enredo. Nas primeiras páginas, com um narrador
em 3ª pessoa, somos apresentados a um homem, um escritor, que quase se engasga
com um sanduíche e depois observa os jovens trabalhando, lembrando-se de quando
ele estava na mesma situação, suando no balcão de uma das maiores redes de fast-food do mundo. O que vê é um rapaz ensinando
a outro como limpar o chão com o esfregão: “Vai andando pra trás e passando de
um lado pro outro. Imagina que está desenhando um número oito, entendeu?” O
oito deitado lembra o símbolo do infinito, assim como a fita de Moebius, num
movimento eterno para chegar ao mesmo lugar. Assistindo à cena, o escritor
decide escrever a sua história (passando para o foco narrativo em 1ª pessoa) em
guardanapos da mesa. “Talvez o melhor uso para eles fosse reter farelos. E não
é o que faço aqui?”
O narrador relata sua adolescência e as dificuldades financeiras
encontradas pela família após a morte do pai. Junto com sua mãe e o irmão menor,
vai morar em uma casa pequena com apenas um quarto, sendo que lhe resta dormir
na sala. Precisa também trocar a escola particular pela pública (retratada de
forma estereotipada na obra), onde apanha por saber mais do que os outros e se
recusar a passar cola. “A realidade não é essa moleza que te acostumaram não”,
diz uma de suas tias, que costuma criticar as fraquezas do rapaz e que insiste
para ele arrumar emprego. Somente depois de ser dispensado do exército é que o
preguiçoso busca um trabalho, enfrentando, é claro, “filas de espera, gente de todas
as idades procurando alguma coisa, rostos que passam da esperança ao desespero
em minutos após uma recusa”. Consegue, então, sua vaga como atendente de
lanchonete.
Seguir o Padrão é um dos principais conselhos que recebe da
treinadora no seu primeiro dia de trabalho. Também fica sabendo que o dono
prefere trabalhar com gente jovem porque “têm mais gás e questionam menos”. Quando
começa a aprender novas atividades (todas dentro do Padrão, cabe frisar), o faz
satisfeito, apesar de ser apenas uma peça de reprodução: “Sinto-me uma espécie
de robô feliz ali, agindo quase instintivamente, sem ouvir sons, sem sentir
calor, e a mente se esvazia”. O que importa e nunca deixar o próximo da fila
esperando muito. Rapidez, eficiência e um acidente de trabalho o fazem
trabalhar como caixa, vendo atrás do balcão a vida, dele e de outras pessoas, ir
e voltar num eterno retorno do mesmo, como a tira de Moebius. É onde conhece
melhor a crueldade humana e a injustiça. E o amor também. Ou não?
Embalado pelo som da banda Legião Urbana e pelo rap, o romance retrata um Brasil do
início dos anos 90 que continua atual, apesar de muitos acharem que melhorou. A
escola pública continua com problemas, com suas longas filas para a matrícula, assim
como as filas dos hospitais continuam longas, as filas nos bancos também, as
filas para emprego idem, jovens ainda se angustiam na fila para o serviço
militar. O final, bem ambíguo, surpreende, me fazendo relê-lo duas, três vezes.
Gosto de finais assim, que surpreendem, por isso o romance, que em alguns
momentos me pareceu esquemático e estereotipado, acabou me ganhando no último round. Agora, depois de remoer um pouco seu
desfecho, vou para o próximo da fila, pois não tenho “todo o tempo do mundo”.
Comentários