Sinto cheiro de podre no ar
“Aquelas pessoas estavam apodrecendo e não sabiam.” Assim
termina uma crônica de Nelson Rodrigues em seu livro O reacionário – memórias e confissões (Editora Nova Fronteira). Nelson
está na pauta mais uma vez, devido à adaptação dos seus textos no Fantástico. O
curioso é que muita gente que considera a palavra reacionário um xingamento ao mesmo tempo enaltece a obra do escritor, dizendo que ele faz falta e tal. Pinçam
algumas frases que atingem justamente a eles e acham que estão “lacrando”, como
costumam dizer.
A frase acima encerrava uma crônica de 1970, que falava sobre
um velho comunista que, numa reunião de intelectuais (“Preliminarmente, devo
confessar meu horror ao intelectuais, ou melhor dizendo, a quase todos os
intelectuais”), afirmou que era inevitável o assassinato em nome da ideologia.
Nelson, então, contestou: “Se você acha inevitável um assassinato de um
inocente, também é um assassino”.
Não é diferente do que vemos hoje, quando pessoas defendem
bandidos em nome de um partido, de uma ideologia, ou apenas porque não querem
dar o braço a torcer e dizer que erraram. Direita e esquerda pregam aos
convertidos que, em bando, em manada, atacam aqueles pensam de forma contrária
ou porque não querem seguir ditames, palavras de ordem, etc. Pensar por si
próprio é um defeito para essa gente.
Não compactuo com coletividade de pensamento. Nem de direita
e nem de esquerda. Aliás, boa parte da direita me rejeitaria por eu ser um
ateu, coisa rara nesse lado do muro, assim como boa parte da esquerda me
rejeita por não compactuar com decisões coletivas, uma regra desse outro lado.
Vale registrar aqui um telefonema que recebi dia desses, de
um militante que se diz professor, contestando a minha decisão de não aderir à
greve do magistério do Rio Grande do Sul, mesmo vendo meu salário, que já é
baixo, sendo parcelado. Aos gritos, me chamou de “pelego” e disse que, por
escrever, deveria ter uma pensamento diferente (lê-se pensar como todos eles) e
que minha literatura (não sei se a que escrevo ou a que leio) era medíocre.
Ainda me ameaçou, dizendo que se eu desligasse na cara dele, iria ao colégio
conversar cara a cara comigo. Desliguei o telefone.
Colegas me aconselharam a fazer um B.O., processar, etc. Não
pretendo perder meu tempo com isso. Não vou deixar essa gente fazer perder o
meu sono. Se querem travar uma luta inútil contra um governador mais inútil ainda,
que não vai atender aos apelos dos professores, que o façam. Eu, por enquanto,
não quero. E se decidir parar ali adiante, se não receber meu salário, vai ser
por decisão própria. Não sigo sindicatos, corporações, grupos, associações. Nelson
também escreveu: “O sujeito que opina por conta própria tem algo de suicida”.
Sigo meu caminho, o caminho menos trilhado, como no poema de
Robert Frost, não aceito que digam que devo ir por outro caminho, como no poema
de José Régio, meu voo vai mais longe, como no aforismo de Nietzsche, ando só, pois
só eu sei pra onde ir, como nos versos de Humberto Gessinger. Se há algo que
aprendi com a leitura da minha “literatura medíocre” é que devo tirar minha
próprias conclusões.
Se estou errado, serei eu o culpado pelo erro. Só não quero
apodrecer.
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