A insustentável leveza de ler (porque gosto de fazer trocadilho com títulos, deu pra perceber?)
Ler Milan Kundera
é uma aventura estética, em que a escrita cuidadosa, numa mistura de ficção e
ensaio, ao mesmo tempo que nos transporta para uma situação política complicada
e descreve relacionamentos amorosos tão conturbados quanto à situação do seu
país, também nos faz refletir sobre temas universais, tanto do mundo das artes
quanto do mundo das pessoas.
Não sei por que razão ainda eu não havia lido A
insustentável leveza do ser. Receio pela obra ter se tornado um
best-seller? Talvez. Sua reedição pela Companhia das Letras, com tradução de
Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca, em mais uma bela edição de capa dura, num
projeto gráfico que dá uma cara particular para as publicações do autor por
aqui, me fizeram preencher essa inexplicável lacuna.
“O acaso tem suas
mágicas”, escreve o narrador. E pelas forças do acaso é que se cruzam os
caminhos de quatro personagens: Tomas, Tereza, Sabina e Franz. O primeiro é
médico e solteiro, mas que se relaciona com muitas mulheres. Ele e Sabina, uma
pintora, se encontram regularmente, sem compromisso maior a não ser desenvolver
seus jogos eróticos. Certo dia, encontra Tereza, que trabalhava em um bar, mas
que nutre o sonho de ser fotógrafa. Ela se encanta por vê-lo lendo um livro.
“Nesse café ninguém
jamais abrira um livro sobre a mesa. Para Tereza, o livro era o sinal de
reconhecimento de uma fraternidade secreta. Contra o mundo de grosseria que a
cercava, não tinha efetivamente senão uma arma: os livros (...).”
Mais tarde, vão morar juntos, enquanto Sabina se torna
apenas a melhor amiga de ambos. Mais tarde, ela se envolve com Franz, um
professor casado e os dois se apaixonam. Sabina é quem personifica o título do
romance.
“O drama de uma vida
pode ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os
ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não. Lutamos com ele, perdemos
ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixar um homem
porque quis deixá-lo. [Refere-se a Franz.] Ele a perseguira depois disso? Quis vingar-se? Não. Seu drama não era
de peso, mas de leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a
insustentável leveza do ser.”
Boa parte das ações se passa na cidade de Praga, com escalas
em Zurique, em Paris e na fronteira do Camboja. A invasão da russa comunista na
antiga Tchecoslováquia e a tensão vivida entre intelectuais e artistas são a
bigorna política do enredo que pesa sobre os personagens. Vale lembrar que
Milan Kundera teve que sair do país devido a seu posicionamento contrário ao
totalitarismo soviético, indo morar na França em 1975.
Em entrevista à Paris Review, Kundera diz que “as vigas de A insustentável leveza do ser são: peso,
leveza, a alma, o corpo, a grande marcha, merda, kitsch, compaixão, vertigem, força e fraqueza”. As reflexões sobre
os temas a que essas palavras se referem reivindicam o caráter filosófico do
romance, que abre justamente com uma reflexão do “eterno retorno” de Nietzsche.
Questões existenciais e políticas, o sexo, o amor, o engajamento, o medo, a
farsa ideológica, fazem da narrativa aquilo que o próprio autor denominou, em A arte do romance, como “apelo do
pensamento”, “fazer do romance a suprema síntese intelectual”.
Comentários