Meu artigo sobre censura nas artes publicado no jornal Gazeta do Sul
Arte vista por todos os lados
Nas últimas semanas, a arte vem sendo debatida e
valorizada nos meios de comunicação. SQN, como escrevem os jovens nas redes
sociais. Na realidade, sob o manto da defesa da liberdade de expressão
artística ou da moral e dos bons costumes se esconde uma polarização política
que vem se acentuando depois das eleições de 2014. A arte ganha alguma coisa
com isso?
Arte não "tem que ser", ela
simplesmente "é". Não tem que ser transgressora, não tem que ser do
contra, não tem que respeitar a moral, não tem que limitar seus temas. A arte é
um trabalho elaborado com as linguagens, sejam elas as palavras, a expressão
corporal, o desenho, as cores, as imagens, as notas musicais, etc., com o
intuito de despertar os sentidos do apreciador. É o que chamamos de
"estética" (do grego "aisthesis", que significa
"faculdade de sentir"), por isso a relação com a beleza, sendo que o
belo não é necessariamente algo "bonito" na arte. O feio pode ter
beleza estética.
Dizer, então, que algo não é arte é uma questão
complicada. O que se pode é criticar, dizer se a arte é boa ou não, a partir de
critérios de quem conhece o tipo de arte que se queira praticar. Eu, por
exemplo, não tenho o conhecimento necessário para dizer que a performance "La
Bête", exposta no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em que um homem nu
tem seu corpo tocado pelas pessoas, é arte, muito menos se tem qualidade. Como
apreciador de arte, porém, posso não gostar dela, posso achá-la desprezível por
ter sido exposta a uma criança de 5 anos. Mas posso protestar para que ela não
exista?
Da mesma forma, meus conhecimentos para decretar
se um filme é bom ou ruim são limitados. Não posso dizer que o documentário
"O jardim das aflições", sobre o professor de filosofia Olavo de Carvalho,
é uma boa obra cinematográfica. Como apreciador, no entanto, tenho o direito de
não gostar dela, de desprezar seu personagem. Mas posso impedir que ela seja
exibida?
Citei dois exemplos de obras execradas tanto
pelos ideólogos da direita, quanto pelos ideólogos da esquerda. O que há em
comum é o ódio com que os protestos são levados adiante, inclusive com pedidos
que podem sugerir censura. Vejamos outros casos.
A diretora Daniela Thomas foi duramente criticada
num debate após a exibição do seu filme "Vazante", no Festival de
Brasília deste ano, e um crítico chegou a dizer que o filme não deveria ser
lançado, pois ela é branca e a obra, mesmo sendo um retrato da escravidão no
Brasil, não agradou a militantes do movimento negro que estavam na plateia. No
Santander Cultural em Porto Alegre, militantes do MBL protestaram a favor do
fechamento da exposição "Queermuseu", visto que obras artísticas que
sugerem várias formas de relações sexuais estavam sendo vistas por crianças. No
ano passado, o ator Cláudio Botelho foi impedido pelo público de continuar o
espetáculo teatral baseado em músicas de Chico Buarque porque criticou no palco
a então presidente Dilma. Como se não bastasse, depois o próprio compositor
proibiu o ator de continuar realizando a peça, o mesmo compositor, diga-se, que
foi censurado durante a ditadura e tem sua obra criticada hoje porque defende a
esquerda. O mesmo que deseja a censura de biografias junto com seu amigo
Caetano Veloso, que hoje encabeça um protesto de artistas justamente contra a
censura. Vai entender essa gente.
No meio desse fogo cruzado, a arte vira apenas
pretexto para discussão política e deixa de ser simplesmente arte.
Particularmente, gosto da arte que não tenha lado, mas que possa ser olhada,
apreciada e criticada por todos os lados. E que nos inquiete, que nos tire o
sono. E, convenhamos, as formas que foram citadas neste artigo não conseguiram
tirar o sono de muitos?
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