Notas de leitura sobre “Siete casas vacías”, de Samanta Schweblin
Para Gaston Bachelard a casa representa o ser em seu
interior, cada cômodo e andar simbolizando os estados da alma. O filósofo
também atribui à casa o símbolo feminino de proteção, refúgio. Para mim foi
inevitável ler os contos de Samanta Schweblin reunidos em Siete casas vacías (Editorial Páginas de Espuma, 123 páginas, ainda
sem tradução por aqui. Se alguma editora se interessar, me habilito para a
empreitada) sem pensar nessas representações. Almas vazias, mulheres desprotegidas
e em busca de proteção.
Também me provocou a escolha do número sete. Por que este
número? O livro originalmente se chamava “Las casas vacías”, contando com seis
narrativas ganhadoras de um concurso. Posteriormente foi acrescentado outro
conto, “Un hombre sin suerte”, que destoa (aparentemente como vamos ver mais adiante)
dos demais. Por acaso (ou nada é por acaso?), chegou aqui na toca há pouco
tempo o “Dicionário de símbolos”, de Jean Chevalier e Alan Gheerbrant, que
reserva boas páginas para o verbete sobre este número (há um verbete sobre a
casa também). “Simboliza um ciclo completo, uma perfeição dinâmica”, “indica o
sentido de uma mudança (...) de uma renovação positiva”, entre outras
representações. A busca da autora pela perfeição formal talvez seja a
justificativa. No meu ponto de vista, ela alcança esse êxito.
No primeiro conto, “Nada de todo esto”, a narradora
acompanha a mãe num estranho hábito: entrar na casa de outras pessoas para
modificar a decoração, trocando os objetos de lugares ou sugerindo novas cores,
etc. A inveja sai do campo do desejo e se realiza de forma invasiva. Outra
mulher, a vítima que não consegue conter a invasão, se desprotege ao abrir a
casa e ela própria se vê impelida a fazer o mesmo.
“Mis padres y mis
hijos” é o único conto cujo ponto de vista é masculino. O narrador, um pai
divorciado, leva seus pais idosos para ver os netos que moram na casa da mãe. Acontece
que os velhos, enquanto as crianças estão no supermercado com o padrasto, correm
nus pelo quintal tomando banho de mangueira e a mulher pede para ele tomar uma
providência: “—Se van a morir de vergüenza de sus abuelos”.
Outros contos seguem na mesma linha: ou de mulheres que
deixam alguém entrar em sua casa (vizinhos que atiram peças de roupas do filho
morto no outro pátio e batem na porta da vizinha para buscá-las de volta) ou que
saem de casa por sem sentirem sufocadas, porém perdem sua proteção (caso dos
contos “Cuarenta centímetros cuadrados” e “Salir”).
“Un hombre sin suerte” não se passa em uma casa, como os
demais contos, porém a menina que quase sofre um abuso estava fora do lar, num
hospital, junto com a família para socorrer sua irmã que havia se intoxicado
com água sanitária. Ou seja, saiu de sua proteção. Para alguns críticos, esse é
um dos melhores contos do livro, rivalizando com “Respiración cavernaria”, em
que uma senhora com Alzheimer vive com o marido que deixa entrar no pátio um
garoto da casa ao lado. Um conto cheio de surpresas e reviravoltas, num
trabalho preciso sobre a questão da memória e a perda da sanidade mental.
Mais centrado no real e no que de mais estranho e fantástico
ele nos oferece, Siete casas vacías
se difere de Pájaros en la boca, já comentado aqui no blog, mais fantasioso. Não perde, no entanto, a qualidade do
anterior.
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