Sobre “Amortalha”, de Matheus Arcaro
Gosto de contos concisos, daqueles que mais sugerem do que
revelam. Faz-se necessário diferenciar o conto conciso do apressado. O primeiro
apresenta todos os elementos da narrativa e conseguem manter, mesmo em poucas
páginas, a tensão. Não sobra nada, mas também não falta. O segundo tipo pode
até apresentar todos os elementos (muitas vezes não), mas falha na tensão, não
provoca o clímax, sobra e falta muita coisa. Rubem Fonseca é mestre no conto conciso
(vide “Passeio noturno”), porém nos últimos livros, vem nos apresentando contos
apressados.
Matheus Arcaro demonstrou domínio do conto conciso no seu
primeiro livro, Violeta velha e outras
flores, de 2014, que já resenhei por aqui. Depois de uma experiência
insatisfatória na narrativa longa em O
lado imóvel do tempo, romance sobre o qual também resenhei por aqui, volta
a acertar o alvo em Amortalha, livro
de contos publicado, assim como as outras obras, pela brava Editora Patuá.
Como o título indica, as narrativas tratam de amor e morte. O
amor por um cachorro e sua morte no comovente “Salvação”, um suicídio inusitado
e, por que não dizer, criativo, no miniconto “Celebração”, o amor e a morte dos
pais do narrador em “Demétrio”, a morte metafórica de uma artista em “Maturidade”.
Há também as referências à filosofia, à psicanálise e às outras
áreas do conhecimento. Em “Foucault ficcionista”, um manuscrito com um conto do
filósofo é encontrado entre as páginas de um de seus livros trazendo como
enredo um diálogo entre Sócrates e Freud. Em “Má educação”, o professor que
ensinava Sartre, Aristóteles e Hobbes a um aluno ideal, se depara alguns anos depois
com este mesmo aluno empunhando um cassetete contra ele em uma manifestação de
rua. “Acho que nós somos aquilo que escolhemos fazer.” Sugeriria ao escritor um
novo conto com o ponto de vista do policial.
“Alemão” e “Metade de mim” são, ao que parece, projetos de autoficção.
Imagino o escritor escrevendo-os e chorando ao mesmo tempo, assim como eu li e quase
chorei durante a leitura. De emoção, diga-se. No primeiro, as lembranças de infância
do narrador enquanto vela o pai, a vergonha que tinha dele por ser mecânico,
sempre sujo de graxa e com calos nas mãos. Por fim, uma frase dele que ficou na
sua mente: “não existe morte para quem tem lembranças em vez de remorsos.” No outro
conto, a mãe conversa com o filho que vai nascer e cujo sexo ainda desconhece.
Vai se chamar Camila ou Matheus? Se menina, as dificuldades na vida por ser
mulher. “Mas posso garantir que tu, minha filha, tu não serás uma mini-Amélia.”
Se menino, “assim que saíres a sociedade te cobrirá com um manto dourado”.
Como um belo complemento ao volume de contos, as ilustrações
de Ubirajara Júnior, que provocam, inclusive, novas possibilidades de leitura. Um
casamento perfeito entre literatura e imagem, fazendo com que tenhamos em mãos
uma pequena obra-prima artística.
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