Da esperança como um mal
(Minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje.)
“Deixai toda a esperança, ó vós que entrais.” Em A divina comédia, poema épico medieval do
italiano Dante Alighieri, essa frase compõe um aviso na entrada do inferno. E
se houver na saída do útero materno algo parecido, só mudando o verbo “entrais”
por “saís”? Como o bebê não sabe ler, ele ignora a mensagem. Nasce e se
desenvolve alimentando-se com esperanças durante toda a vida, o verdadeiro
inferno.
Alguns perdem a esperança no caminho. Isso pode ser bom, porque
a esperança é um mal. Segundo a mitologia grega, Pandora, a primeira mulher,
foi moldada pelos deuses e enviada como dádiva a Epimeteu, irmão de Prometeu.
Este havia conseguido guardar todos os males do mundo em uma caixa (pote ou
vaso, dependendo das versões) que, por isso, em hipótese alguma deveria ser
aberta. Pandora, curiosa, pois não sabia do seu conteúdo, deslocou a tampa e
então do recipiente escaparam a Fome, a Doença, a Miséria e outros males.
Conseguindo com muito esforço lacrar a caixa novamente, restou dentro dela um
último mal, a esperança. Não se costuma dizer que a esperança é a última coisa
que nos resta?
Mas por que esperança seria um mal? Ora, quem espera nem
sempre alcança. Quando se criam expectativas e não se consegue realizar os desejos
vem a frustração e com ela a tristeza, o cansaço, a desmotivação.
Nessa visão grega, tem-se uma perspectiva trágica do mundo.
O indivíduo vive em um vale de lágrimas, uma existência em que, como escreveu
Luiz Felipe Pondé, pensador e provocador brasileiro contemporâneo, se está
sempre contemplando o abismo: “Tenho-o diante de meus olhos cada dia que acordo
pela manhã e neste exato momento em que vos falo”. Sabendo disso, o indivíduo
suporta melhor as adversidades, se decepciona menos e, por conseguinte, alcança
uma relativa felicidade.
No outro extremo está a utopia, a contemplação do horizonte.
São as mentes sonhadoras, otimistas, esperançosas, sempre seguindo em busca de
seus ideias, apesar de nunca alcançá-los, sempre em frente, com a certeza de que
tudo vai melhorar. É uma forma de se encarar a realidade e tem quem o faça até
o final de seus dias, mesmo sem nunca atingir completamente seus objetivos.
Vale ressaltar que utopia significa um lugar inexistente, termo que batiza o
livro do filósofo inglês Thomas More que descreve uma ilha onde tudo é perfeito.
Particularmente, minha perspectiva é trágica, pessimista,
vejo o abismo e o abismo também me vê. Porém, como alerta Nietzsche, há que se
cuidar para que esse abismo não me engula. Ou, acrescento, que eu não salte
nele. É uma forma de viver sem esperança.
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