Pra não dizer que não falei do livro



O crítico literário gaúcho Paulo Hecker Filho, falecido em 2005, publicou o seu primeiro livro, “Diário”, aos 23 anos. Há em suas páginas muitas inquietações sobre suas leituras e dúvidas existenciais. Entre tantas frases que sublinhei, destaco essa para a nossa conversa de hoje: “Que posição invejável a dos antigos que podiam dominar toda a cultura de sua época!” Isso em 1949. O que podemos dizer agora, 70 anos depois? Quanta produção artística se fez em todo esse tempo, quantos livros foram escritos, quantos filósofos desenvolveram novas ideias?

Pessoas como este escriba, que tentam buscar cada vez mais conhecimento e ler tudo que podem (não é por acaso o título dessa coluna), acabam se frustrando. Cada vez mais livros são lançados, autores novos surgem, mas também nunca diminui a fila dos clássicos que ainda não foram visitados. Selecionar o que ler, nesse sentido, é sempre complicado, no entanto é prazeroso. Um dos critérios que acabam me fazendo abrir um livro em detrimento de outro é o tema. Atualmente, corro atrás de literatura que trate do fazer literário, que tenha muitas referências intertextuais, que tenha escritores como personagens. E fujo de textos políticos, que deixam exposta a ideologia dos personagens, ou que mexam com as ditas questões sociais. E se o livro traz essas duas vertentes?

Estou me tornando um alienado, segundo o parâmetro de alguns. Fazer o quê? A política está me causando alergia. Relutei, portanto, depois de ler a sinopse, em abrir o romance “Que fim levaram todas as flores”, de Otto Leopoldo Winck. Outra obra para falar da ditadura e relacionar os anos de chumbo com os dias atuais. Confesso que isso me entedia. Porém, não dá para desconsiderar que o próprio autor me enviou, lá de Curitiba, onde reside, o exemplar como cortesia, por valorizar as críticas deste colunista do interior do país, sendo que já escrevi sobre um livro de poemas dele.

Ainda levo em conta que o protagonista e narrador, Ruy Dalla Costa, está escrevendo um livro durante uma oficina literária. E inicia a obra pensando em diferentes formas de iniciar um romance. E o faz fazendo referências às primeiras frases de clássicos como “Madame Bovary” (“a gente aprende emulando os grandes, dissera o professor”). E relata sobre suas primeiras leituras na adolescência. E menciona seu novo amigo de colégio, o marxista Adrian, que lhe indica outros livros. E conversam sobre livros. E respiram livros. Ou seja, é um romance sobre literatura. Não só sobre literatura. É sobre política, é sobre música (o título vem de uma canção do grupo “Secos & Molhados), é um romance de formação, é um romance romântico, é um romance utópico, é um romance realista, é um romance irônico, é, em suma, um romance total. Ou quase isso. É um romance indefinível. E isso é bom.

Confesso que pulei os trechos enciclopédicos enormes a la Rubem Fonseca dos últimos anos. Muito chatos. Também em vários momentos interrompi a leitura, enfadado com as estripulias dos jovens comunistas e idealistas achando que estavam lutando contra a ditadura. Anos depois, adultos, vão carregar seus “iPhones”, frustrados com o rumo que o país seguiu. Busquei outras leituras e depois voltava ao romance. “Que fim levaram todas as flores” não é daqueles romances que a gente pega e não larga mais. Isso não é um demérito.

Se Otto Leopoldo Winck brincou com as primeiras frases, brincou da mesma forma com diferentes maneiras de finalizar o romance. Um desses finais pode ser muito elucidativo para o leitor, inclusive sobre as falhas do romance. Se ele chegar até lá.

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