Juntando os cacos no cosmos
“Pra viajar no cosmos não precisa de gasolina”, diria Nei
Lisboa no título de uma de suas canções. Já pra viajar nas Cosmogonias é preciso
muita bagagem de leitura. O livro de poemas de Otto Leopoldo Winck, lançado em
2018, não é para poucos. O poeta não facilita a vida do leitor. As referências
intertextuais não sãos explícitas, com o risco de um desavisado achar que há
plágio em quase todos os poemas. O próprio Nei Lisboa faz isso muito bem nos
seus discos.
É assim, porém, que se faz boa literatura. É o que penso. E
o que procuro quando leio. Ainda bem que o livro me achou, ou melhor, o autor,
que mora em Curitiba, me encontrou (acho que depois de ler outra resenha minha)
e me enviou seu rebento para que este leitor e plumitivo lesse e, quem sabe,
investisse algumas poucas palavras sobre a leitura, para que talvez outro
leitor seja apresentado ao livro e assim a roda segue. A nossa literatura acaba
resistindo assim. Assim como com essa resenha alguém procure conhecer o Nei
Lisboa, que também é escritor.
O meu problema é que, para escrever sobre um livro, preciso
achar um fio de Ariadne que me retire do labirinto da leitura e me guie na
escrita da resenha. Pode ser apenas uma palavra. Em Cosmogonias, me agarrei na palavra “cacos”, que se repete em alguns
poemas. Se acaso me fizeste o favor de ler os Cacos e outros pedaços (o bom leitor deve entender que fiz uma
referência intertextual agora), sabes que os “cacos” (sempre no plural) fazem
parte do que escrevo. Jogar ao chão “os tais caquinhos” (como não tenho o talento
do Otto, tenho que dizer que há outra intertextualidade aqui, se o leitor não
percebeu) é o que faz o escritor. Cabe ao leitor juntá-los e colá-los.
Já no segundo poema do livro, “Ocidente”, o eu lírico afirma
que seu verso é “cheio de ecos, / cacos / e tropeços.” Em “Aleph”, o eu lírico
diz: “Mas minha voz / ─ já sem fôlego − / veio rouca, / quase um fio, / e
reboa, / cheia de ecos, cacos e cacófatos.” Essa voz segue, em versos ora
curtos ora longos, com entusiasmo (“Para quem tem um deus dentro de si, / tudo
é risco.”), buscando a origem das coisas, em termos religiosos ou filosóficos
(“Os deuses nascem da angústia. /Os deuses e este poema.”), mas também o fim (“O
fim de tudo / é triste / como um fio partido / no labirinto.”). São cacos esses,
no sentido de fragmentos do cosmos, que conformam os poemas de Cosmogonias.
Trazendo mais uma vez Nei Lisboa para roda, ele canta “eu tô
na luta armada / disfarçado de cantor”. Otto Leopoldo Winck está na luta
armada, disfarçado de poeta, como se pode ler nesses versos: “cada palavra / é
uma arma / branca”. E também nesses: “Tudo o que sou: / este corpo, esta mão,
estes dedos / que empunham esta caneta / como uma arma, / uma bandeira.”
Como leitor, desejo que a arma do poeta nunca perca a
munição.
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