O carnaval na literatura



Abandonei o carnaval ou o carnaval me abandonou? Já pulei no salão e toquei na bateria de escola de samba. Hoje não faço uma coisa nem outra, apenas escuto minha batucada nos velhos LP’s. Mas esse espaço é sobre livros, então vamos lá. Acho curioso que, apesar de ser a cara do Brasil, a folia não tem presença marcante, pelo menos quantitativamente, na nossa Literatura, assim como o futebol.

Se pensarmos em títulos de livros, temos “O país do carnaval”, de Jorge Amado, e “O carnaval dos animais”, de Moacyr Scliar. Ambos, porém, não trazem a festa popular como tema. Para o protagonista do primeiro romance de Jorge Amado, o carnaval é um exemplo de alienação do povo. Mas em outro romance do autor baiano, “Dona Flor e seus dois maridos”, há a clássica cena em que Vadinho morre pulando num domingo da festa nas ruas da Bahia.

Na poesia, podemos citar um livro de Manuel Bandeira, “Carnaval”, que tem poemas como “A canção das lágrimas de Pierrot”, “Arlequinada”, “Rondó de Colombina” e “Bacanal”: “Lá se me parte a alma levada / No torvelinho da mascarada, / A gargalhar em doudo assomo... / Evoé Momo!”.
No conto, encontramos textos clássicos, como “O bloco das mimosas borboletas”, de Ribeiro Couto, dos anos 20, no qual um personagem diz: “carnaval faz todo mundo perder a cabeça”. É um pai de família que fez empréstimo para atender o desejo de suas filhas, que queriam fantasias, adereços, caixas de lança-perfume e confetes para participarem da folia. O problema é que, ao chegar a quarta-feira de cinzas, elas ainda não voltaram para casa.

Em “A morte da porta-estandarte”, de Aníbal Machado, conto escrito no final dos anos 50, um crime passional acontece durante um desfile: “− Que maldade matarem uma moça assim, num dia de alegria! Será possível?”. Quando a notícia se espalha, as mães presentes creem que sejam suas filhas as vítimas: “Os noivos são ferozes, os namorados prometem sempre matá-las”. O autor ainda viria a ambientar no carnaval os capítulos finais de seu romance, “João Ternura”.

Os anos 60 trazem dois contos de escritores consagradíssimos. Em “Antes do baile verde”, de Lygia Fagundes Telles, uma jovem arruma sua fantasia para a folia, mesmo sabendo que seu pai agoniza no outro quarto: “Se ele está pior, que culpa tenho eu?”. Já Rubem Fonseca, no seu primeiro livro, publicou “Teoria do consumo conspícuo”, conto com uma pitada de humor em meio a melancolia de final de carnaval (“é hoje só, amanhã não tem mais”) em que um homem e uma mulher mascarados dançam no carnaval e ele pede para ver o rosto dela, na esperança de ter uma bela mulher para encerrar a folia.

Mais recentemente, em 2014, Sérgio Sant’Anna, nos brindou com “O homem-mulher”, que tem duas versões, que abrem e encerram o livro homônimo. A primeira parte narra o encontro do ator Fred Wilson (também chamado de Zezé) com uma jovem no carnaval em Belém do Pará. Ele gosta de se vestir de mulher, apesar de ser heterossexual (se travestir não era veadagem, mas incorporar a mulher em sua masculinidade”). Depois de transarem num cemitério, os dois se despedem e nunca mais se reencontram. A parte 2 conta de novo o mesmo episódio, com pequenas variações, mas tem uma continuação com outras peripécias do personagem.
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Para encerrar, dedico esta coluna a um poeta do samba, o Mestre Jorjão que, quis o destino, nos deixou justamente na época de carnaval, sua paixão. Um grande amigo que me provou que a sabedoria não se obtém apenas nos livros.

Comentários

Nara Norilei disse…
Como sempre um texto escrito com a maestria de quem sabe das coisas.
Parabéns
Cassionei Petry disse…
Obrigado, Nara, bom ver você por aqui.

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