Podemos desejar um Feliz Ano Novo?
Se eu fosse escrever livros de autoajuda ou enveredar para o
caminho do “coaching”, passaria fome. Como sou apenas um professor, eu quase
passo fome. Está bem, é um exagero, um chororô, hoje não preciso mais dividir
um ovo com minha irmã ou almoçar variedades de mortadela (massa com mortadela,
carreteiro de mortadela, mortadela frita), como acontecia quando minha mãe
trabalhava num frigorífico e trazia embutidos de brinde da empresa para casa.
Hoje sou menos pobre, no entanto ainda distante da classe média, e como carne
quase todos os dias, mesmo que requentando a comida do dia anterior, o famoso prato
francês “restô dionté”.
Mas como ia dizendo, em outras palavras, não sou otimista,
não sei incentivar os outros e sou um exemplo de fracasso em quase tudo. Eu
disse quase, sempre o quase. Nesse sentido, fico constrangido quando desejo aos
outros um Feliz Ano Novo, afinal, desejei isso no ano passado e olha só no que
deu. Acontece que criamos expectativas que quase (olha o quase aí de novo)
nunca se concretizam e, por conseguinte, vem a frustração. Melhorei minha
qualidade de vida quando deixei de ter expectativas. Mais do que isso, perdi a
esperança, aquela mesma que quase (!) escapou da caixa de Pandora, no mito
grego que ilustra como os males chegaram ao mundo. Ora, como convenceria alguém
que não ter esperanças nos deixa mais felizes? Eu seria vaiado em uma palestra
motivacional se dissesse isso.
Da mesma forma, não acredito que sairemos melhores depois da
pandemia (se é que ela irá acabar, no que não nutro esperanças). A falta de
empatia de pessoas que não acreditam no vírus, que contestam as regras
sanitárias e duvidam de uma mínima eficácia das vacinas (porém acreditam em
remédios receitados por um presidente genocida) só prova que o ser humano é mau
por natureza, ao contrário do que preconizava o filósofo francês do século XVIII
Jean-Jacques Rousseau. A sociedade não corrompe o ser humano porque já nascemos
corrompidos.
Não, não aprendemos nenhuma lição no ano que passou. Os
comentários nas redes sociais escancaram o quanto falhamos como humanidade.
Todos têm opiniões que consideram a verdade absoluta e as defendem até quando
são comprovadamente erradas. “É da opinião que vem a desgraça dos homens”,
escreveu outro filósofo francês, Gilles Deleuze, este do século XX.
De minha parte, quero estar errado na minha opinião, espero
que me provem que podemos ser melhores, que a humanidade tem salvação, que no
horizonte, mesmo distante, haverá uma saída. Que a esperança não seja apenas
algo preso dentro de uma caixa. E que ela não morra.
Cassionei Niches Petry
– professor
P.S. do dia 04/01/2021: Foi publicado na Gazeta do Sul de hoje o texto, mas como era para ter saído no final do ano passado, há alguns equívocos que adaptei no texto que publiquei aqui no blog, pois pensei que não ia mais sair no jornal.
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