Exilados dentro de casa

 


 

Minha crônica no jornal Gazeta do Sul.

“Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, escrito em 1843, é um dos grandes poemas do período literário denominado Romantismo. Seu tema é o homem que está fora do país, sente saudade da natureza do seu lar (“Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá; / As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá”) e deseja ardentemente voltar (“Não permita Deus que eu morra / sem que eu volte para lá”). É uma exaltação ao Brasil e emprestou alguns de seus versos para o Hino Nacional (“nossos bosques tem mais vida / nossa vida mais amores”) e também para a MPB, mais precisamente para a música “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, composta durante a ditadura militar, homenageando aqueles que tiveram que fugir do país devido à repressão: “ Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há”.

Estar exilado não significa exatamente estar fora do país devido à perseguição política.  Pode-se estar longe da pátria de forma voluntária ou por necessidade. No caso do poema de Gonçalves Dias, o eu lírico está em Portugal devido aos estudos, o que era comum no século XIX para as famílias mais abastadas. Por outro lado, era comum durante o regime ditatorial, nos anos 60 e 70, que artistas e políticos fossem forçados a se exilar por serem, velada ou explicitamente, críticos do governo e se sentirem inseguros aqui.

Em outro poema que dialoga intertextualmente com “Canção do exílio”, chamado justamente de “Outra canção do exílio”, Eduardo Alves da Costa, hoje com 85 anos, descreve um brasileiro que se vê exilado dentro do próprio país, também durante os anos de chumbo. Não reconhece mais a terra onde nasceu e cresceu (“porque me lembro do tempo / em que livre na campina / pulsava meu coração, voava, /como livre sabiá”), que comemora títulos futebolísticos enquanto há tortura nos porões dos quartéis (“Minha terra tem Palmeiras, / Corinthians e outros times / de copas exuberantes / que ocultam muitos crimes”) e onde não encontra mais liberdade, vendo-se a todo momento ameaçado por simplesmente divergir (“Não permita Deus que eu morra / pelo crime de estar atento”). Estaríamos ameaçados de reviver essa “página infeliz de nossa história”, como cantou o exilado Chico?

Segundo o Dicionário Houaiss, ser exilado é também, de forma figurada, estar isolado do convívio social. Em vez de sairmos, temos que ficar no nosso lar, ameaçados por um inimigo invisível, que veio exilado de outro país. Fica a dica para algum poeta (já que não sou um) escrever uma nova canção do exílio, quem sabe começando com estes versos: “Minha terra tem um vírus / mas vacina já não há. / Os políticos que aqui governam / governam para matar”.

Cassionei Niches Petry – professor

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