A literatura como protagonista
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Então o narrador-ensaísta-protagonista abre a segunda parte
de Montevideo, “Cascais”, dizendo que
ficou três anos sem escrever e que o fragmento “Paris” seria a abertura de um
livro descartado. O relato agora o traz para a cidade portuguesa onde acontece
um festival de cinema. No hotel, tem seu sono atrapalhado pelas risadas do ator
Jean-Pierre Léaud, o Antoine Doinel dos filmes de François Truffaut, ouvidas através
das paredes de um quarto contíguo. O caso então nos remete aí sim à cidade de
“Montevideo”, que dá título à terceira parte e ao romance. O protagonista se
recorda de um conto do argentino Julio Cortázar, “La puerta condenada”, cujo
personagem passa por uma situação semelhante em um hotel chamado Cervantes,
quando ouve um choro de um bebê atrás de uma porta escondida atrás de um
armário de um quarto. O objetivo agora do narrador-ensaísta-protagonista é
conhecer o quarto real. Segue-se, portanto, outra viagem, outro destino, outra
porta.
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A literatura, porém, tem portas que se cruzam. É o caso,
conta-nos o narrador-ensaísta-protagonista, de um conterrâneo de Cortázar,
Adolfo Bioy Casares, que escreveu um conto parecido com o do colega e na mesma
época. Intitula-se “Un viaje o El mago imortal”. As portas acabam sendo a metáfora
para a busca de inspiração, uma passagem, abrir as portas que bloqueiam a
escrita. Há, no outro lado, risadas, choros, gemidos de um casal. Vida, enfim.
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Depois de especular sobre uma seita que renderia culto à
Cortázar ou o contrário, uma conjuração contra o grande cronópio, o escritor acaba
tendo experiências fantásticas, no sentido cortazariano do termo, em que o
insólito permeia o real. A literatura de Cortázar é, portanto, o tema deste
ensaio-narrativa. Vila-Matas sempre rendendo homenagens a seus pares.
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Sem querer ser cabotino, mas já o sendo, encontrei muitas
semelhanças com meu último romance Desvariosentre quatro paredes nos tempos do vírus. Também menciono o conto de
Cortázar, paredes, bloqueios criativos, referências intertextuais. Coincidência
que se explica, claro, pelas inevitáveis influências.
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Montevideo é leitura necessária. Enrique Vila-Matas é leitura necessária, por nunca deixar de colocar a literatura como protagonista de suas histórias.
(A propósito, o blog hoje fecha as portas.)
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