Um romance para ler e ouvir

No jornal Gazeta do Sul de hoje.

Logo no início do livro, Mozart conduz a orquestra a seguir as nuances da partitura e, ao mesmo tempo, é solista de um de seus concertos para piano. Luiz Antonio de Assis Brasil, guardadas as devidas proporções, também é o maestro, conduzindo as idas e vindas da narrativa enquanto dedilha os teclados de seu computador. A plateia assiste à obra encantada, assim como o leitor.

Leopold: uma novela (Editora Zain, 296 páginas) é mais uma obra de arte que vem das mãos que também tocaram violoncelo na OSPA (e enquanto escrevo estas linhas, lamento a morte de Antonio Meneses, outro mestre na condução desse instrumento que o músico toca como se abraçasse um corpo). Obra de arte literária e musical. É uma partitura em forma de romance (me permito chamar assim pois não entendo nada de música). Não à toa, a editora sugere, em um marcador de páginas, uma playlist no Spotify para ouvir as músicas mencionadas.

O título nos levaria a crer que o protagonista é Leopold, mas não. Ele está presente o tempo todo, ele é o narrador da história, ele revela seus pensamentos e reflexões, porém, tudo gira em torno de seu filho, Wolferl, maneira carinhosa de nominar Wolfgang Amadeus Mozart, a quem Leopold dedica quase todos os esforços para torná-lo o maior compositor de todos os tempos, desde o Dia do Milagre, quando o pequeno de 5 anos tocou uma peça musical que deixou a família atônita. Lemos (ouvimos) a trajetória de um gênio sob o olhar do pai que é também seu professor. Por outro lado, nos sensibilizamos com Nannerl, irmã de Mozart, também muito talentosa, mas que se tornou apenas uma coadjuvante e teve sua carreira ofuscada pelo irmão.

Por falar em ofuscar, vale destacar a sequência de capítulos: Noite – A noite avança – No abismo da noite – Madrugada – Sol. É o tempo em que o narrador está em uma diligência, voltando para Salzburg, enquanto relata para um casal (que depois sabemos que não o estão ouvindo realmente) a história que leremos. É a vida com seus lados obscuros, as profundezas do ser, os momentos de dificuldade, as dívidas, os relacionamentos conturbados, mas que desponta para o brilho que o artista alcança com sua obra.

Em Leopold: uma novela, Luiz Antonio de Assis Brasil se vale mais uma vez de personagens e fatos históricos para produzir um bom romance (embora denominado de novela), porém sem a mesma verve narrativa das demais obras. Faltou algo que, confesso, não sei expressar. Talvez minha ignorância musical tenha contribuído para isso, já que me escaparam muitas referências. De qualquer forma, a escrita de Assis Brasil nos envolve como a boa música, mesmo se desconhecemos as notas musicais. Vale ler (e ouvir).

Cassionei Niches Petry – professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.




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