Uma história de dor

 


A escritora Alê Motta saiu do miniconto, mas o miniconto não saiu dela. Seu primeiro romance é tão minimalista quanto o são suas narrativas breves (dos livros Interrompidos, 2017, e Velhos, de 2020, resenhados aqui e aqui). Minha cabeça dói (Editora Faria e Silva) tem menos de 90 páginas, mas com máxima dose de tensão em cada uma delas.

O enredo acompanha o jovem Otávio que, devido a um acidente de carro quando criança, carrega no rosto uma cicatriz. O responsável foi seu pai que, bêbado, capotou o carro e acabou fugindo (o fato é mencionado no final e nos traz uma surpresa, mas vou evitar a revelação). Sua mãe o cria com dificuldade, até que se casa com um advogado rico e a vida deles muda, pelo menos financeiramente, já que as cicatrizes externa e interna permanecem no protagonista.

Entre idas e vindas na narrativa, sabemos como seus pais se conheceram, a vida de sua mãe, que se revela não ser a santinha que o filho conhecia, inclusive resultando numa desconfiança de quem seria seu verdadeiro pai, e a fuga dos pais depois da gravidez, já que seus avós não aceitariam a situação.

O amor, por sua vez, está presente na figura de Lia, uma colega de aula que o acompanha por anos como melhor amiga, mas que acaba ficando com o irmão de criação de Otávio, ou seja, outra marca dolorosa em sua dolorosa vida.

Vale destacar ainda a abordagem sobre o racismo, visto que a mãe de Otávio se casa com o advogado negro, porém rico, o que leva os avós racistas a deixarem de sê-lo, uma vez que ganham presentes do querido genro.

Em Interrompidos, a morte é o tema das histórias. Em Velhos, por suposto, o tema é a velhice, o fim da vida. Já o romance A minha cabeça dói trata de um jovem que tem toda uma vida pela frente e com certa esperança de que suas feridas realmente se cicatrizem. A dor pode passar.

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