A velhice e a melancolia


Baumgartner (Companhia das Letras, 168 p., tradução de Jorio Dauster) é o último romance do escritor norte-americano Paul Auster. Vem depois do monumental 4321, de 2017, e de dois livros de ensaios que não foram publicados no Brasil, um sobre o escritor Stephen Crane e outro criticando o endeusamento das armas na terra do Tio Sam. Sou aficionado pelos livros do Auster, pela maneira com que trata do acaso, dos seus personagens que escrevem ou estão ligados de alguma forma aos livros, de suas reflexões sobre a solidão e agora sobre a velhice, tema que vem me inquietando, visto que estou na faixa etária que, quando jovem, considerava idade de velho. Já me considero um velho, embora não o seja (a não ser para os meus jovens alunos). 

 Temos aqui a história de um professor e autor de livros sobre filosofia, Sy ou ST Baumgartner, aposentado e viúvo há quase dez anos. No início, o encontramos sozinho (não tem filhos) es crevendo sobre o filósofo Kierkegaard em “seu escritório, seu cogitorium ou seu cantinho”, quando lembra que precisa descer ao primeiro andar e buscar um livro para uma citação e também precisa ligar para sua irmã. Descobre que esqueceu uma panela no fogo e queima a mão ao tentar pegá-la. Depois, ao descer ao porão para auxiliar um funcionário que faz a medição de luz, cai da escada e machuca o joelho.

 Esquecimento, dor, solidão. Temas que perpassam o enredo e provocam as recordações do personagem, principalmente sobre a esposa, Anna, que era tradutora e escrevia poesias. Perdê la faz com que sinta como se um membro seu tivesse sido amputado, embora perceba a presença dela em muitos momentos, o que o faz estudar a “síndrome dos membros fantasmas, que passara a chamar de síndrome da pessoa fantasma à medida que as congruências metafóricas foram ficando mais aparentes”. Baumgartner tem 71 anos e poucas perspectivas de viver. Uma das últimas coisas que o mantêm são as memórias, lembradas por ele ou escritas por Anna, cujos manuscritos encontra em suas gavetas e são reproduzi dos no romance. Em determina do momento, o protagonista se questiona: “por que alguns instantes fugazes e aleatórios persistiam na memória enquanto outros, supostamente mais importantes, desapareciam para sempre?” Poderíamos responder: é porque temos que esquecer. Esquecer também é viver. 

Paul Auster vinha sofrendo bastante na sua vida pessoal: em 2022, foi diagnosticado com câncer. Segundo sua esposa, a também escritora Siri Hustvedt, lutava contra a doença na “cancerlândia”. No mesmo ano, morreu seu filho, de overdose, depois de ter sido acusado de matar a filha recém-nascida. Consta que Baumgartner teria sido escrito um pouco antes das tragédias. Um romance melancólico e que apontou a despedida do escritor, embora o final em aberto nos faça pensar que deixou uma continuação, se teve forças para continuar. Paul Auster morreu em abril de 2024. Baumgartner, portanto, foi seu canto do cisne. 

 Cassionei Niches Petry é professor e escritor, autor de Desvarios entre quatro paredes, Editora Bestiário.

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