Deixe-se conduzir, leitor

 


Meu texto no BarataVerso sobre livro de Menalton Braff: https://barataverso.com.br/deixe-se-conduzir-leitor/

Leia também: https://cassionei.blogspot.com/2023/09/tempo-de-ler-menalton-braff.html

Deixe-se conduzir, leitor


O título do livro e a capa nos enganam: A coleira no pescoço não é exatamente a do cachorro, mas sim aquela que prende o leitor. Desde o primeiro conto somos conduzidos, ora docemente ora de maneira mais ríspida, pelas mãos dos narradores desses deliciosos, mas também dolorosos, contos de Menalton Braff, lançados em 2006 pela Bertrand Brasil, segunda coletânea depois do aclamado À sombra do cipreste.

O primeiro conto, justamente o que nomeia o livro, trata da relação de um velho com seu cão, também velho, ambos “acorrentados um ao outro, cumprindo uma interminável caminhada”. Também faz uma caminhada com seu cão o personagem do último conto, “O zelador”, porém não um passeio, mas uma trajetória de dias em direção ao novo trabalho de zeladoria em uma vila, ao que parece abandonada. O final é forte e impactante e deixa eco na mente do leitor.

No meio do caminho temos contos como “Alice e o violoncelo”, em que um homem paralisado observa a esposa tocando o instrumento de forma sensual até o desfecho em tom de fantasia. Há frases lapidares, como em “Signo de touro”, em que o narrador pergunta se o “acaso arma ciladas ou soterramos intenções desconhecidas?”, enquanto em “Toda uma noite: o prêmio”, o narrador afirma: “O tempo, ali dentro, é líquido espesso, denso lento. Lento como o espelho, como a cortina imóvel”. Menalton Braff domina bem as técnicas de escrita e põe o leitor a levantar a cabeça e pensar no que leu.

Em “O caso da digital perdida”, um pintor não tem mais suas digitais devido ao trabalho com tintas. Em “De cima de seu muro”, um homem não sai de sobre o muro de sua residência para “contemplar a humanidade de sua rua”. O comovente “Os sapatos do meu pai” trata do filho que reconhece na rua um par de calçados cujos pés ele imagina ser do seu genitor que abandonou a família, porém não tem coragem para levantar o olhar e confirmar a suspeita. Cada história busca um caminho distinto da condição humana: perdas, relacionamentos conturbados, incompreensões, existências vazias, solidão.

O melhor conto é “Uma tarde de domingo (tragédia em três episódios)”. A história - uma releitura de Fedra, de Racine - traz um caso de tentativa de abuso de um padrasto contra sua enteada e a injustiça da mãe ao acusá-la de provocá-lo, causando um triste fim. A narração tem três pontos de vista, cada um deles a ponta do vértice desse triângulo trágico.

Parece que Menalton tem uma obsessão pelo domingo, pois esse dia da semana está em títulos de seus contos, deste e de outros livros, assim como em cenas de suas histórias. “O domingo suarento e morno escorria pelo ralo da pia quase na hora do fogão”, por exemplo, no conto “Caminhos cruzados”. Por acaso (olha ele aí de novo), terminei de ler o livro num domingo, um domingo melancólico, como vem sendo a maioria dos meus domingos (salvo quando sobra uns níqueis para assar um suculento churrasco). Livros como A coleira no pescoço, porém, salvam qualquer dia ruim. Merece, aliás, uma reedição.

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