Ainda se fazem bons cronistas


 

Ainda se fazem bons cronistas

por Cassionei Niches Petry


Já havia degustado boa parte das crônicas reunidas em O cigarro, o sovaco e o apoio de braço (Editora Bestiário), estreia do gaúcho, que hoje mora no Paraná, Alexandre Liedens. Foram publicadas no site Crônicas Cariocas, do qual sou também colaborador, embora não tenha enviado mais nada para o Francci Lunguinho, seu criador, há algum tempo. Eu e o Alexandre somos colegas, portanto, inclusive de editora. Mas não é por isso que escrevo estas linhas elogiosas sobre o livro, até porque nem o conheço pessoalmente. Acontece que o livro é muito bom para o que se propõe. Crônicas ligeiras, ao melhor estilo “vida ao rés-do-chão”, característica básica do gênero, de acordo com Antonio Candido.

Releio agora os textos podendo apoiar o braço na minha barulhenta e desconfortável poltrona, saboreando um bom café (nada de cigarro e caneca de chopp como o autor me deseja na dedicatória ao me enviar o livro autografado), o sovaco devidamente cheiroso depois do banho tomado, pois nós, “los gorditos”, não podemos nos descuidar disso, ainda mais se não temos ar-condicionado em nossa biblioteca. Aqui faço referência a algumas das crônicas, que nos deixam com aquele riso nos lábios, o que os bons cronistas conseguem fazer com seus leitores.

Falando em bons cronistas, Alexandre os cita no terceiro texto, deixando claro quem é o maior de todos: Rubem Braga. Aqui, o autor conceitua o gênero que pratica: “textos relativamente breves sobre o cotidiano. Longe de uma filosofia profunda, a crônica se encosta como uma vizinha fofoqueira”. Ouvidos e olhos atentos, também queremos saber das fofocas: sobre o riso frouxo de um radialista, irmão do cronista, que lhe custou o emprego (“Ria nos melhores e nos piores momentos.”); sobre o vendedor de cachorro-quente que atende uma idosa influenciadora digital; um solitário em uma casa noturna diz a uma das moças que é um escritor famoso, autor de Grande sertão: veredas e Moby Dick, além de ser cliente de um conhecido analista que chama carinhosamente de Sig; um taxista leitor; a cena cotidiana no supermercado em que a roda presa puxa o carrinho para uma lado; a dificuldade de urinar em pé no ônibus em movimento.

Há crônicas que são, na verdade contos, pela inventividade narrativa. É o caso do metaliterário “Lembranças de quando morri” e o irônico “Spoiler a contragosto”, com seu final inusitado. Ambos tratam da morte. Não falta o tema do tempo, inevitável para todo cronista: “O tempo passa para o recém-nascido, para a anciã carregada de memórias e para o jovem disposto e enérgico”. Há algumas crônicas sobre futebol, mas dessas, ao contrário das outras, eu não gostei, devido ao time do coração do cronista…

O cigarro, o sovaco e o apoio de braço termina com a crônica “Os signos da crítica”, em que a esposa do cronista, ao ouvi-lo ler em voz alta algumas críticas literárias, acertava qual era o signo do crítico. Se a “Senhora Leidens” ouvisse essa resenha, acertaria o meu?

“Ambiguidade, brevidade, subjetividade, diálogo, estilo entre oral e literário, temas do cotidiano, ausência de transcendente [...], efemeridade”. São características que Massaud Moisés afirma ser o essencial da crônica. Alexandre Leidens traz tudo isso e mostra que a crônica ainda está viva, mesmo que venha perdendo espaço nos jornais e não tenha mais a relevância que teve. É um bom tema para uma nova crônica.


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