A vida é uma bola

“As coisas estão no mundo

só que eu preciso aprender”

(Paulinho da Viola)

A bola é redonda. Essa afirmação é um óbvio ululante, para usar de uma expressão do Nelson Rodrigues, um grande cronista que tinha como um dos seus temas o futebol. Fosse ela de outro formato... mas não, tinha que ser redonda. Do ponto de vista místico, o redondo pode representar a perfeição, porém para a ditadura da beleza representa o feio.

Mesmo assim, ela é o objeto da paixão de 9 entre 10 brasileiros. Nessa quarta-feira, por exemplo, a metade de um dos estados da República de Pindorama não pensa em outra coisa senão na decisão da Libertadores da América (a outra metade também, claro). Será um jogo em que 22 homens fardados estarão correndo atrás desse objeto esférico, o que numa comparação psicanalítica à Freud seria uma metáfora do ato sexual: a bola e os pés representando o ser masculino e a goleira simbolizando o feminino - sendo a rede o véu da noiva virgem - e a penetração da bola no gol resulta num êxtase indescritível. Isso explica à paixão do homem por esse esporte?

Porém, “ah, porém”, uma frase que dá título a um dos livros do antropólogo Roberto Damatta me pôs a pensar: “A bola corre mais que os homens.” É uma verdade. A bola está sempre distante de nós. Precisamos correr atrás do prejuízo (ou do lucro, como insistem os chatos de plantão). Quando a alcançamos, ela nos escapa dos pés ou das mãos – triste sina se for das mãos, não é Renan? E se a temos nos pés, a responsabilidade é tão grande que ela queima e logo a passamos adiante, para depois pedi-la novamente. Se formos confiantes, pegamos a bola e não largamos mais. No entanto, a autoconfiança e a individualidade excessiva podem resultar num chute longe da rede. Se formos muito inseguros, o adversário pode nos roubar a bola e nos arriscamos a vê-lo fazer o gol e perdermos a partida. Sim, a bola corre mais do que os homens, mas podemos alcançá-la, assim como os objetivos que escolhemos para a nossa vida.

Parece que as coisas rodam e rodam e voltam ao mesmo lugar. Muito já se falou das coincidências que envolvem o último título conquistado pelos colorados: mesmo ano de Copa do Mundo, expulsão do Tinga, etc. Porém a mais significativa é a de que o capitão do Inter, o Bolívar, tem o mesmo nome de um dos libertadores da América, só que este último com algumas patentes a mais. Pois é uma pena que não temos um general Simón Bolivar para nos libertar, pois, ironia do destino, depois dessa copa, muitos jogadores vão atuar na Europa. Os europeus, cuja riqueza resulta do que tiraram da nossa terra, continuam levando o que temos de melhor. Infelizmente, no futebol não estamos livres deles.

Coisas da vida, coisas da bola, “coisas do mundo, minha nega”, mundo esse que, como já afirmava Colombo, o descobridor da América, também é redondo. Mundo esse que o Internacional vai pintar de vermelho em dezembro.

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Ouvindo o primeiro disco solo do Paulinho da Viola, que contém a faixa "Coisas do mundo, minha nega", uma das letras mais belas da nossa música




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