Bolaño no Traçando livros de hoje
Minha colaboração no jornal Gazeta do Sul de hoje, no caderno Mix: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/344910-uma_literatura_do_desconforto/edicao:2012-05-09.html
Uma
literatura do desconforto
Roberto
Bolaño, o
nome literário do momento no cenário mundial, já apareceu no “Traçando Livros”
quando do lançamento, no Brasil, do romanção póstumo 2666. A obra, no entanto, pode não atrair o leitor iniciante devido
a sua extensão e complexidade. Pois a editora Companhia das Letras lança agora
um volume de contos do escritor chileno, morto em 2003, que podemos classificar
como mais acessível. Chamadas telefônicas (traduzido por
Eduardo Brandão), originalmente publicado em 1997, abrange, de certa forma, boa
parte do universo temático bolañiano em narrativas curtas, mas com o mesmo
desconforto causado pelas narrativas mais extensas do autor.
O livro é dividido em três partes. A primeira, nomeada com o mesmo
título do volume, traz contos metaliterários, ou seja, cujos temas giram em
torno de escritores, principalmente o alter ego de Bolaño, Arturo Belano,
protagonista do romance Os detetives
selvagens. No conto inicial, Belano troca correspondência com Sensini, um
escritor argentino que vive exilado na Espanha, e aprende com ele táticas para
ganhar concursos literários e, assim, obter um bom dinheiro para sobreviver. Uma
das estratégias, conta Belano, era “que eu participasse do maior número
possível de prêmios, mas sugeria que como medida de precaução mudasse o título
dos contos se com um só, por exemplo, me inscrevesse em três concursos cujos
resultados saíssem mais ou menos na mesma data”. Belo conto sobre a condição do
escritor que pena durante anos pelo reconhecimento de sua obra, mesmo tendo já um
grupo limitado de fiéis leitores. “O mundo da literatura é terrível, além de
ridículo”, afirma Sensini, que alguns críticos dizem ser um espelho do próprio
Bolaño, que durante anos buscou ganhar vários concursos que tinham prêmios em
dinheiro, enquanto outros afirmam que se trata do argentino Antonio Di
Benedetto, autor do romance Os suicidas.
Os demais contos dessa primeira parte continuam tratando de escritores
malditos em busca de reconhecimento, como Henri Leprince, poeta que vive na
França em plena Segunda Guerra Mundial, dividido entre a resistência ao nazismo
e ao colaboracionismo, escolhendo o que convém aos seus interesses literários.
Em “Enrique Martín” – conto dedicado ao espanhol Vila-Matas, autor do livro de
contos Suicídios exemplares –, um
poeta desiste de ser valorizado pelo seu talento (que não tem, segundo o
narrador), passando a se dedicar a uma revista de ufologia e, por fim, tirando
sua própria vida.
A segunda parte traz contos sobre violência, um dos temas
principais de 2666. Aparecem mais elementos
autobiográficos, como em “Detetives”, conto escrito sem narrador, todo em forma
de diálogo entre dois policiais de um presídio, que falam sobre Belano, que
esteve sob a guarda deles durante a ditadura do Chile, sendo que um deles teria
sido seu colega de escola, fato que aconteceu com o próprio Bolaño. Já a seção
derradeira da coletânea de contos traz personagens femininas, como “Joanna
Silvestri”, uma atriz pornô dos EUA que, internada numa clínica, fala a um
detetive sobre outro grande astro deste gênero de filme, por quem era
apaixonada.
Roberto Bolaño sabe como poucos expressar nossas angústias, sejam
elas relacionadas à literatura ou aos relacionamentos humanos. Uma personagem
reflete sobre “como é possível que um ser humano passe de um extremo a outro em
seus sentimentos, em seus desejos. Logo se embriaga ou busca consolo em um
livro”. Os livros, no entanto, pelo menos os que trazem literatura de
qualidade, não servem para consolar, mas para incomodar. Como escrevi outra vez
nesse espaço, fazendo referência a uma frase do próprio Bolaño, o livro é o
melhor travesseiro que existe, mas um travesseiro nada confortável.
Quem deseja consolo, melhor fazer uma chamada telefônica para o
seu melhor amigo.
Cassionei Niches Petry é mestrando em Letras e bolsista do CNPq. É
um bolañomaníaco assumido. Quinzenalmente escreve para o Mix e mantém o blog
cassionei.blogspot.com.
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