O Traçando Livros de hoje é sobre as crônicas de Cláudia Laitano
"Eu vou comprar esse
disco
E me trancar no meu
quarto". Zé Rodrix
Viver entre livros, discos e filmes prediletos é um paraíso
para muitos. Alguns até trocariam sua cara-metade, se tivessem que escolher
entre os prazeres do intelecto e o amor de sua vida. Não é o meu caso, é bom
frisar, até porque nunca vou precisar optar entre as minhas paixões, apesar do
ciúme que a patroa tem do meu pequeno mundo, a biblioteca, onde me refugio boa
parte do dia.
Cláudia Laitano, colunista e editora de cultura do jornal
Zero Hora, reuniu suas crônicas sobre esse paraíso no volume Meus livros, meus filmes e tudo mais (L&PM
Editores, 184 páginas). Um paraíso dela, mas que compartilha com os leitores, comentando
e dando dicas sobre o que considera essencial para se ler, ouvir e assistir,
numa linguagem simples, mas ao mesmo tempo sofisticada, relacionando as obras
com nosso cotidiano, tema de toda boa crônica.
No primeiro texto, ao escrever sobre Como falar dos livros que não lemos?, de Pierre Bayard, a escritora
nos convida, implicitamente, a não abandonar o seu próprio livro: “resta um
único motivo, genuíno e insubstituível, para dedicar tempo e paixão à leitura:
a vontade de ler”. Seguem-se crônicas sobre o casamento ou a vida íntima dos escritores,
filmes que abordam a perda da memória (“O que essa fixação atual na perda da
memória parece expor é a ausência de backup na vida real”), os diários de Susan
Sontag, os mitos gregos como fonte de sabedoria, a velhice e a proximidade da
morte, os “gostos inconfessáveis” (ouvir “Rosana cantando ‘O amor e o poder’,
como se o mundo fosse acabar amanhã”). A última parte, o “tudo mais” do título,
trata de temas diversos, como política e educação (“Na sala de aula, em muitos
casos, saiu-se da palmatória para o vácuo total de autoridade”).
Em “Sem respostas”, Cláudia Laitano escreve sobre obras que
discutem a condição do ateu – como Os
irmãos Karamazov, de Dostoiévski, ou Os
Maias, de Eça de Queirós –, e atestam a condição da literatura como “essencialmente
antidogmática, mesmo quando parece o contrário. Porque a grande literatura é
aquela que tenta entender, e não a que tenta ensinar”. Nesse sentido, em outra
crônica, critica uma afirmação do escritor Paulo Coelho que repercutiu muito no
ano passado. Para ele, o monumental romance Ulisses,
de James Joyce, não daria sequer um twitter. “Não tem nada ali”, afirmou o
autor de O alquimista. Para Laitano,
essa frase “é o slogan perfeito para a mediocridade arrogante de uma época que
olha com desconfiança para tudo o que exige esforço”, bem o contrário dos
livros do Mago.
O título da coletânea parafraseia a música de Zé Rodrix e
Tavito, imortalizada na voz de Elis Regina. Como não conseguimos viver numa casa
no campo, nos contentamos com o apartamento na grande cidade ou, no meu caso, a
casa geminada na cidade do interior (com direito a vizinho barulhento que nos
lembra que o inferno está sempre próximo do paraíso), lugares que se tornam refúgio
de quem gosta de ler um bom livro, ouvir uma boa música e assistir a um bom
filme, “longe do estéril turbilhão da rua”.
Cassionei
Niches Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões
e outras feridas (Editora Multifoco). Além de escrever para o
Mix, publica seus textos no blog, cassionei.blogspot.com e
quer, um dia, ter uma casa no campo, onde possa escrever mais sossegado.
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