Bloomsday
Meu exemplar de Ulisses,
de James Joyce, tem 550 páginas, mas com letra bem miudinha. Comprei-o em
1998, num sebo da minha cidade. À época, estava tentando me tornar um escritor,
o que tento até hoje, sem muito resultado, por isso lia enlouquecidamente. A edição
em capa dura, vendida em bancas de revistas, é da coleção “Mestres da
literatura contemporânea”, parceria das editoras Record e Altaya. A tradução é
a clássica, realizada pelo Antônio Houaiss (sim, o mesmo que dá nome ao
dicionário que veio para desbancar o Aurélio). Minha biblioteca ainda estava
engatinhando (hoje posso dizer que está entrando na fase adulta) e com o novo
exemplar ganhou o direito de pelo menos andar dois passinhos sem ajuda.
Esse é aquele romance que muitos dizem ter lido sem nunca
tê-lo realmente. Alguns por esnobismo intelectual, outros por ignorância, caso
do escritor mais vendido do mundo, o Paulo Coelho, pois afirmou que Ulisses não diz nada e que seu conteúdo
poderia ser resumido nos 140 caracteres do Twitter. Na verdade qualquer obra
poderia, mas apenas nas suas linhas gerais, não no que há nas entrelinhas, no
não dito, na parte escondida do iceberg. A cada releitura que se faz de
clássicos como o de Joyce, novas possibilidades de leitura se abrem. Seu
significado nunca se esgota.
Quando o li pela primeira vez, confesso que, mesmo gostando
da história, não a captei por completo, até porque não havia lido (pelo menos
na sua versão integral) a Odisseia, de
Homero, cujo personagem principal, Odisseus, nome grego, recebe o nome romano
Ulisses. A partir daí, na segunda leitura, guiado por textos da extinta revista
Entrelivros, que explicavam as referências dos capítulos do romance com
episódios da epopeia de Homero, uma nova forma de ler a obra-prima joyceana me
foi apresentada, o que a tornou mais bela e instigante do que da primeira vez.
Hoje, os admiradores da obra celebram o Bloomsday, pois é o dia
em que acontece a odisseia de Leopold Bloom pelas ruas de Dublin, na Irlanda, mais
precisamente em 16 de junho de 1904. Na vida pessoal de James Joyce, foi a data
em que ele e Nora Barnacle, que viria a se tornar sua esposa, se conheceram,
segundo alguns, no sentido bíblico do termo.
O ganhador do Nobel de Literatura (prêmio que Joyce não
recebeu), William Faulkner, disse que “o leitor deve abordar o Ulisses de Joyce como um pregador
batista iletrado aborda o Velho Testamento: com fé”. Faço a minha parte hoje,
lendo alguns versículos dessa bíblia da literatura moderna. E para quem não o considera
um grande livro, rogo: “Perdoai, Joyce, eles não sabem o que falam.”
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