Não vou por aí
Jovens e nem tão jovens assim, pacifistas e baderneiros,
partidários e apartidários, pobres e ricos, professores e alunos, patrões e
empregados, homens e mulheres. Impossível enumerar e descrever todos os que
participaram das manifestações que tomaram as ruas do país, num grito uníssono
de mudança. Uma massa que seguiu as convocações das redes sociais, num primeiro
momento pela redução das passagens de ônibus e, depois, por qualquer outra
coisa que preencha uma lacuna após dois pontos. Confesso que não me vi
representado nesses protestos e explico por que, apesar de saber que posso ser
chamado de reacionário, alienado e ignorante.
Desconfio sempre quando uma multidão vai para um mesmo
caminho. Seguir o bando pode dar proteção para o pássaro, mas chega uma hora em
que é necessário seguir seu próprio voo. Seguir o rebanho leva o gado aonde há
comida, mas somente até ali. Acompanhar a massa é confortável, mas sempre busco
o desconforto. Milhares de jovens, alegando estar saindo da frente do
computador para “fazer alguma coisa”, estão na verdade deixando de fazer a sua
parte na história para apenas fazer parte dela, como coadjuvante. O
protagonista é uma massa sem cara, sem cor, representando a pluralidade do
nosso povo, o que é positivo e elogiável, porém ao mesmo tempo não representa
ninguém, pois há conflitos de interesses. Se boa parte luta pelo passe livre,
outra parte pode lutar para não ter de pagar o custo dessa “cortesia”, pois a
passagem de ônibus sempre vai ser paga por alguém.
Prova de que essa massa não tem cara é que ela é simbolizada
por uma máscara, relacionada de modo geral a um grupo que ironicamente se chama
“Anonymous”. Quem a usa, tanto nas passeatas quanto em seus avatares nas redes
sociais, o faz com orgulho. Poucos conhecem, no entanto, o significado dela.
Oriunda da história em quadrinhos V de vingança, de Alan Moore e David
Lloyd, depois adaptada para o cinema, a máscara é usada por um personagem que,
sozinho, luta contra um governo totalitário em uma Londres ficcional pós-guerra
nuclear, utilizando-se, para alcançar seus objetivos – um deles a vingança do
título –, de meios violentos como explodir bombas em patrimônios públicos e matar
inocentes. Além disso, ela é inspirada no rosto de Guy Fawkes, soldado e
conspirador inglês que pretendia assassinar o rei Jaime I da Inglaterra e
explodir o Parlamento do Reino Unido.
Ora, dizem que as manifestações são pacíficas, mas milhares
de jovens buscam como modelo o rosto de dois terroristas, um no plano da
ficção, o outro no plano histórico. Isso não pode representar o rosto do povo
brasileiro e nenhum personagem violento pode me representar.
Quando ouço os manifestantes gritando para que o povo vá
para a rua, lembro-me dos versos do poeta português José Régio, “Só vou por onde/Me
levam meus próprios passos/(...)/Por que me repetis: ‘vem por aqui!’?/(...) Ah,
que ninguém me dê piedosas intenções,/Ninguém me peça definições!/Ninguém me
diga: ‘vem por aqui’!” Prefiro ser contraditório do meu jeito e fazer meu
trabalho de formiguinha para mudar as coisas a ser contraditório dentro de um
rebanho que somente faz tudo o que seu mestre mandar.
Cassionei Niches Petry – professor e escritor
Comentários
E uma das coisas pedidas é a educação.
E como você chama quem joga bomba em algo?