Michel Laub no Traçando Livros de hoje
Veneno e fragilidade
Pegue seu LP, CD,
fita K7 ou arquivo de MP3 do álbum Nevermind,
do Nirvana, e ponha para tocar. Não tem? Busque na internet. A aparente fúria da
banda grunge dos anos 90 serve de trilha sonora para a leitura do romance A maçã envenenada, de Michel Laub (Companhia
das Letras, 119 páginas), segunda obra de uma trilogia – iniciada com Diário da queda, de 2010 – que trata,
segundo o autor, dos “efeitos
individuais causados por catástrofes históricas”.
Por que Nirvana? Porque
o vocalista, Kurt Cobain, é o ídolo do protagonista do romance. O show da banda
no Brasil em 1993 no Hollywood Rock e depois o suicídio de Cobain em 1994 servem
de pano de fundo para a história da personagem. Ele relembra fatos do final da
sua adolescência e início da idade adulta, desde a formação de sua própria
banda de rock, sua relação com Valéria, sua primeira namorada, e o amigo Unha,
além da sua passagem no serviço militar, mais precisamente no Centro de
Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em Porto Alegre.
No plano do
presente, o narrador já tem 40 anos e uma carreira como jornalista em São Paulo.
Incumbido de entrevistar Immaculée Ilibagiza, sobrevivente do genocídio em
Ruanda, ele se dá conta que a tragédia no país africano aconteceu na mesma
época da morte do seu ídolo. Reflete, por isso, sobre o contraste entre quem
lutou para sobreviver e quem optou por deixar de viver. No mesmo dia em que um dispara
um tiro em si mesmo acabando com uma vida confortável financeiramente, porém em
ruínas devido a problemas com a esposa e o uso de drogas, outra, para se
refugiar de um massacre, entra num pequeno banheiro junto com sete mulheres
onde se escondem e sofrem privações durante três meses, ouvindo, sem poderem
fazer nada, os relatos dos assassinatos de seus familiares.
“Mas o principal não
é a tragédia, e sim os efeitos dela no indivíduo distanciado!” Tragédias
coletivas e individuais refletem a tragédia pessoal do narrador, relacionada à
namorada que foi ao show do Nirvana em São Paulo, não com ele, mas com Unha,
seu melhor amigo. Impossibilitado de acompanhá-la devido a um desvio de conduta
no CPOR, ele se culpa pelo que aconteceu. Percebe que não a havia conhecido
completamente e tudo poderia ser diferente se estivessem juntos.
O título do romance
é uma referência a uma das músicas do Nirvana, “Drain you”, cujos versos são
mal traduzidos por Valéria em um cartão postal enviado para o narrador. Em vez
de “você me ensinou tudo/sem precisar da maçã
envenenada”, ela escreveu “você me ensinou tudo/ao me dar a maçã envenenada”.
Seria de propósito? Estaria ela culpando-o pelo que aconteceria depois?
Em capítulos curtos, com idas e
vindas no tempo, a narrativa nos envolve aos poucos. Para quem é da geração que
viveu a cultura pop dos anos 90, provoca o lado emocional ver que ela está
sendo retratada através desse romance ou de outros como Mãos de cavalo, do Daniel Galera. Michel Laub mostra uma fatia
dessa geração que mostrava uma raiva cheia de veneno, mas que guardava
intimamente uma doce fragilidade.
Cassionei Niches Petry é
professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas
(Editora Multifoco). Escreve regularmente para o Mix e mantém um blog,
cassionei.blogspot.com. Entende só
agora as músicas do Nirvana.
Comentários
Viu que escrevi um texto sobre o Rubem Alves, que sei que você admira?
Gosto do Rubem Alves como poeta, como teólogo, como filósofo - como "provocador", apenas. Sua educação não diretiva é problemática.
Abração, grande Cassionei.