As histórias magras de Rubem Fonseca
Ele é um dos meus heróis literários. Seus contos e romances –
de narrativas envolventes, numa dosagem precisa de ação e pausas reflexivas,
misturando palavras de baixo calão com expressões eruditas e rebuscadas, repletas
de citações literárias e cinematográficas que me levaram a conhecer outros
artistas – o colocaram merecidamente no panteão dos grandes escritores da nossa
nem tão grande literatura. As obras recentes, no entanto, carecem da
genialidade daquele que escreveu O
cobrador, Feliz ano novo, Bufo & Spallanzani e A grande arte. Se outro
grande contista, Dalton Trevisan, vem escrevendo também obras fracas, pecando por
realizar o mais do mesmo, Rubem Fonseca
nos frustra porque ele não é mais o mesmo.
Tentei encontrar o bom e velho Rubem Fonseca na sua mais
recente reunião de contos, Histórias curtas (Nova Fronteira, 176 páginas). Não deu. O livro chega a ser
vergonhoso, apesar de alguns críticos terem afirmado que ele ainda está em
plena forma. Não, não está, e não é porque tenha completado recentemente 90
anos, idade também do citado Dalton Trevisan. Histórias curtas é um volume pior do que o anterior, Amálgama, que, não sei como, ganhou o
Jabuti de 2014 de melhor de livros de contos. Até Axilas e outras histórias indecorosas, de 2011, podemos ainda
encontrar a boa literatura fonsequeana. Nas duas últimas obras, entretanto, não
há nenhum resquício.
Os contos são ruins porque faltam todos os predicados
elencados no início deste texto crítico. As narrativas não nos envolvem, não
por serem curtas, pois ele sempre foi genial nos contos curtos. Estamos diante
de histórias escritas aparentemente com pressa, sem a elaboração artística que
conhecemos do autor. Quando se espera que algo vá acontecer, não acontece nada,
tudo termina de forma abrupta, nem ao menos se deixa uma abertura para o leitor
imaginar o que ocorrerá depois.
O conto “O mundo é nosso!”, por exemplo, em que uma idosa relata
que usa botox e vai ao teatro em uma van
com suas amigas, tem um final constrangedor: “Resumindo: o número
de velhotas cada vez aumenta mais, como uma música de Carnaval do meu tempo de
jovem cujo refrão era ‘e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais’. Bem, o
mundo está ficando nosso, e vai ficar todo, todo nosso dentro de pouco tempo.
Então tudo vai mudar, a vida vai mudar. Preparem-se!" E que tal a frase
derradeira do conto “O peido”? "Isso é uma
irrefutável prova do nosso egoísmo: o que é nosso é sempre bom, pode ser um
peido ou uma xícara de café; o que é dos outros é sempre ruim, pode ser um
peido ou uma xícara de café."
Um dos temas da maioria dos contos é a loucura e eles terminam
com uma solução simplória para os conflitos das personagens. Chega uma pessoa
vestida de branco para aplicar uma injeção e voilà, sabemos que a pessoa é louca. Simples assim. Um exemplo está
no conto “A Preferida”, em que um homem conta que só consegue transar com a
mulher quando pensa na “outra”, sua “Preferida”, na qual basta encostar o pênis
para alcançar o orgasmo. Pois ele acaba sendo capturado depois de ser flagrado
com ela e só entende o motivo de estar algemado na cama de um hospital quando o
“sujeito de avental branco” mostra uma foto do flagra (não vou contar quem é a
tal preferida). “Antes que eu pudesse raciocinar sobre isso, o médico me
aplicou a injeção e perdi os sentidos.”
A obesidade também é um tema recorrente. Sempre há alguém
falando mal e ridicularizando os gordos. No conto “O reencontro”, um homem irá
rever um amor da juventude, porém está apreensivo, pois ganhou muito peso com o
passar dos anos. Quando chega a mulher ao local combinado, ele fica horrorizado
ao vê-la: “Juju se transformara (ou seria mais correto dizer se
transtornara?) numa mulher gorda, muito gorda. Inesperadamente deixei de sentir
amor por ela.” Porém, logo pensa que por isso ela não se incomodaria com o seu
tamanho e volta a amá-la. Ela, porém, olha para o homem e diz que ele engordou
muito. O narrador conclui: “Pude ver nos seus olhos um sentimento de desdém,
pior, de repulsa.” E a história acaba. Falta gordura. Além de curtas, muito
curtas, as histórias são magras.
No conto, “O brinco de pérola”, o
protagonista afirma: “Eu podia escrever qualquer porcaria, por exemplo, a
história de um homem casado que se apaixona por uma mulher casada. O problema é
que sou um escritor com certo prestígio, não posso decepcionar os meus
leitores.” Pena que Rubem Fonseca não pensou o mesmo que seu próprio
personagem.
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