Edgar Allan Poe no "Traçando livros" de hoje
Poe e a insanidade como arte
Dia desses, num colégio de Ensino Médio, um professor de
literatura teve uma daquelas experiências, ultimamente raras, em que consegue
despertar o interesse dos alunos pela obra de um escritor. Realizando uma
sessão de cinema na sala de aula, apresentou-lhes a obra de Edgar Allan Poe
através do filme O corvo, direção de James McTeigue. O ator John Cusack interpreta o próprio escritor, que se vê
envolvido na perseguição de um assassino que comete crimes e deixa pistas inspirado
em suas histórias. Depois de assistir ao filme, uma aluna disse que ficou com
vontade de ler os livros do Poe. Restou ao professor abrir um largo sorriso. A
propósito, há uma excelente série televisiva, The following, com um mote parecido com o do filme, porém o
assassino já é conhecido desde o primeiro episódio: um sedutor professor de
literatura que transformava seus crimes em arte. E o pior, arregimentou uma
porção de seguidores. Como dá para perceber, Poe influencia muita gente.
Precursor da
literatura de horror moderna, o romancista, contista e poeta americano Edgar
Allan Poe nasceu em Boston, EUA, no dia 19 de Janeiro de 1809 e morreu em
outubro de 1849, aos 40 anos de idade, dias depois de ser encontrado em um
profundo estado de embriaguez, semiconsciente e sujo, em uma rua de Baltimore.
Mestre do conto, escreveu histórias como “A queda da casa dos Usher” e “O gato
preto”, em que estão presentes o mistério e o terror góticos típicos do século
XIX. Já “Os crimes da Rua Morgue” e “A carta roubada” o tornaram o criador de
histórias do gênero policial. O poema narrativo “O Corvo”, por sua vez, é um
dos seus textos mais populares, sendo inclusive adaptado num dos episódios do
desenho Os Simpsons.
“Mas eis o
ponto mais importante: notaremos que esse autor, produto de um século orgulhoso
de si mesmo, filho de uma nação mais orgulhosa de si mesma que qualquer outra,
viu com clareza e afirmou impassivelmente a perversidade do homem”, escreveu o
poeta Charles Baudelaire num texto com o qual divulgou a obra do escritor aos
franceses. Os personagens de Poe são maus, muito maus. O protagonista de “O
gato preto”, por exemplo, tortura e enforca seu bicho de estimação e também
mata a sua mulher, para depois emparedá-la no porão de sua casa. Em “O poço e o
pêndulo”, temos a crueldade humana expressa na tortura física e psicológica de
um condenado pela inquisição da Igreja Católica. Em “O barril de Amontillado”,
Fortunato, motivado por uma vingança, trama a morte de um desafeto, emparedando-o
vivo nas catacumbas de seu palácio.
Poe descreve
nossos medos como poucos. Tenho medo, por exemplo, de que exista algum doppelgänger, um duplo meu, cometendo alguns atos
que eu não cometeria e sobre os quais levaria a culpa. No conto “William
Wilson”, temos justamente a história de um duplo que atormenta, desde a época
da escola, a vida do protagonista. Ele tem o mesmo nome, nasceu no mesmo dia, e
ainda por cima usando as mesmas roupas que ele. “No lugar onde
momentos antes eu nada vira, havia agora um grande espelho… Aproximei-me dele
cheio de terror e vi caminhar para mim a minha própria imagem, com o rosto extremamente
pálido e todo salpicado de sangue, avançando a passos lentos e vacilantes.” Pergunto-me
às vezes: e se o meu duplo me encontrasse? Seria eu dominado por ele? Ou teria
que matá-lo, já que o mundo é pequeno demais para dois Cassioneis? Ou, o mais
provável, ele me mataria?
O argentino Julio Cortázar escreveu que “sua
obra, atingindo dimensões extra-temporais, as dimensões da natureza profunda do
homem sem disfarces, é tão profundamente temporal a ponto de viver num contínuo
presente, tanto nas vitrinas das livrarias como nas imagens dos pesadelos, na
maldade humana e também na busca de certos ideais e de certos sonhos”. Pois Poe
tem várias traduções disponíveis
nas livrarias do Brasil. Para ficar em apenas uma, recomendo a de José Paulo
Paes, reproduzida numa edição de bolso da Companhia das Letras e intitulada Histórias extraordinárias, reunindo 18
contos.
Comentários
Grande abraço, Cassionei.