Philip Roth trapaceiro
Philip Roth publicou Deception
originalmente em 1990. No Brasil, houve um edição da Siciliano em 1991, já
esgotada, com o título Mentiras. Em
Portugal, foi intitulada Engano. Este
é mais apropriado.
Roth nos engana, criando um personagem chamado Philip, que
pensamos ser ele próprio. Engana, mas não mente. Esse Philip engana sua esposa,
que descobre a traição ao ler as anotações de diálogos entre o escritor com as suas
amantes. Ele alega, porém, que aquilo é ficção: “É uma representação, um
jogo, uma imitação de mim mesmo! Faço ventriloquismo comigo mesmo. Ou quem sabe
seja mais fácil entendê-lo ao contrário: tudo é falsificado, exceto eu. Talvez
inclusive eu mesmo o seja. Mas de um ou outro modo, querida, tudo se reduz a
uma invenção, um entretenimento do homo
ludens.” Philip Roth, ou o personagem Philip, tenta convencer a esposa de
que ele não é ele mesmo nas anotações que ela havia lido. Não consegue
convencê-la, assim como não consegue convencer o leitor.
Isso já está na segunda parte, mas ainda não é o final. O
final nos engana ainda mais. Ou estaria o próprio Roth se enganando? Nesse
jogo, o escritor trapaceia os personagens, o leitor e ele mesmo. “Trapaça”
também seria um bom título. Não é à toa que o livro é considerado um apêndice
do anterior, O avesso da vida, outra
trapaça, assim como The facts, que tem
como subtítulo “uma autobiografia de um romancista”, mas que não é uma
autobiografia. Capricho de escritor? “‘Caprice’ é o que está no coração da natureza de
um escritor. Explorações, fixações, isolamento, malignidade, fetichismo,
austeridade, leviandade, perplexidade, infantilismo, etc. O nariz na costura da
roupa de baixo - que é a natureza da vida do escritor. Impureza.”
Na primeira parte de Deception, a dos diálogos entre os
amantes, estamos diante de reflexões sobre a condição judaica (que não poderia
faltar), o processo de escrita e a criação de personagens como Nathan Zuckerman,
o câncer, etc. Temas que perpassam a obra rothiana. Mas é o adultério o foco da
obra. Coincidentemente, estive relendo alguns romances com esse tema, preparando
material para as minhas aulas (o lado prazeroso de ser professor). Madame Bovary, de Flaubert, e Dom Casmurro, do nosso Machado de Assis,
foram algumas dessas leituras. Ema Bovary é até citada nos diálogos de Deception. Roth pinta com tintas nada coloridas
as relações humanas, as nossas mais escondidas relações.
O que é verdade e o que é ficção? Claudia Roth Pierpont, em Roth libertado: o escritor e seus livros,
editado pela Companhia das Letras, nos aponta os caminhos. Ela revela que tudo
o que parece ser realmente é. Aliás, é por causa deste livro que estou lendo
toda a obra de Roth, tentando entender como a vida dele influenciou na sua escrita
e vice-versa. Estou na metade desse processo todo. Há ainda os anos 90 e 2000
para explorar. Philip Roth vai continuar me trapaceando. E, como leitor, gosto
de ser trapaceado.
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