Ainda sobre o outro
Escrevi na crônica anterior algo sobre não pensar no outro.
No entanto, como escritor, estou sempre olhando, analisando e me pondo no lugar
desse outro. A alteridade é importante para o escritor. Alteridade, palavrinha
que me fez passar vergonha numa entrevista para entrar no mestrado em uma universidade
federal.
Acredito que sempre somos o centro do mundo. O mundo gira a
nosso redor sim. Mesmo quem pensa na coletividade, no bem comum, é solidário,
na verdade é por uma satisfação pessoal. Sente-se melhor consigo mesmo quando
vê a felicidade do outro. Não deixa de ser, portanto, individualista e
egocêntrico.
Vejamos o sexo. É um ato individualista, mesmo que seja a
dois, a três, a quatro, etc, e mesmo para aquele homem que fica se preocupando se
a mulher vai gozar ou não. Ele o faz porque sente prazer em ver o prazer do
outro.
Os políticos são individualistas (conte-me uma novidade,
Cassionei!), mesmo aqueles que dizem pensar no bem comum. O caridoso também é
individualista. Todos pensam somente em si. Quem me desculpem os que se dizem
altruístas, mas não acredito no altruísmo.
Então, como ia dizendo, quando escrevo, olho para o outro.
Sou um observador do outro. Analiso gestos, opiniões, atitudes, para assim
ajudar a criar minhas personagens que, como vocês sabem, não surgem do nada. Há
um pouco dos outros em cada personagem que invento, assim como há um pouco de
mim. “Personagem”, etimologicamente, significa “máscara”. O escritor apenas
mascara a realidade ou então tira as máscaras de quem as usa. Portanto, tomem cuidado
comigo!
Toda vez que penso na palavra “outro”, me vem à mente a
novela “O outro”, da Rede Globo, e um poema do português Mário de Sá-Carneiro,
que foi musicado pela Adriana Calcanhoto: “Eu não sou eu nem sou o outro,/Sou
qualquer coisa de intermédio:/Pilar da ponte de tédio/Que vai de mim para o
Outro.”
A novela, escrita pelo Aguinaldo Silva, bebeu na fonte da
boa literatura e do cinema que tratam do duplo, da possibilidade de haver um
sósia de cada um de nós solto por aí, aprontando das suas e com o risco do original
levar a culpa. O pior, ainda, é quando esse outro toma nosso lugar. O duplo, do Dostoiévski, William Wilson, do Poe e O homem duplicado, do Saramago, são
algumas das obras literárias que trazem este tema.
Já o poema de Sá-Carneiro sugere aquele outro que
gostaríamos de ser e não conseguimos. Aliás, na tentativa de ser outro, ficamos
no meio termo, entramos em conflito com o outro eu, gritando no meio da ponte
como na pintura de Edvard Munch, enquanto ignoramos os outros que estão atrás
de nós, tentando nos ajudar ou nos prejudicar, depende da interpretação que se
faz da pintura.
Ou seja, quando escrevo olho para os outros, porém, da mesma
forma, para o outro que está dentro de mim.
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Abraços