Prefácio que escrevi para um livro de contos


Depois de escrever uma orelha de livro de poemas, fui convidado também para escrever um prefácio de outro livro, desta de vez de contos, do colega Jeferson Luis de Carvallho. A editora é a Catarse: http://editoracatarse.com.br/site/2015/12/18/o-homem-que-esqueceu-a-formula-de-bhaskara/


De mentiras e não mentiras faz-se o conto

Já vou avisando que Jeferson Luis de Carvalho é professor e, portanto, meu colega de profissão. Trabalhamos no mesmo colégio, inclusive. Esta apresentação poderia, portanto, ser contaminada pela nossa proximidade, me impedindo de fazer duras e sinceras críticas. O conjunto dos contos de O homem que esqueceu a Fórmula de Bhaskara, porém, me dá uma sensação de alívio, pois não vou precisar fingir. Deixo a dissimulação para o autor. Tudo que escrevo aqui são palavras verdadeiras, apesar de eu também ser escritor. E todo escritor é um mentiroso. Menos eu, claro.

O Jeferson sim é mentiroso. Seu livro, aliás, poderia se chamar “Mentiras”, título de um dos contos. “Mentiras e mais mentiras, convenço-me que são verdades”, diz o narrador. No enredo de “Ascendência” a mentira chega a unir e depois separar um casal: “Os astros não mentem, as pessoas sim.” O Jeferson conhece a arte do embuste como poucos. Antes de lecionar e escrever, trabalhou como vendedor. Dizem que vendeu muitos aparelhos de celular. Lábia ele tem de sobra.

A maioria dos escritores que se põe a escrever prosa começa pelo conto. Jeferson Luis de Carvalho vai por esse caminho. Demonstra fôlego para a narrativa longa, se é que já não tenha guardado na gaveta um romance. Sabe explorar o diálogo também, podendo, quem sabe, surgir alguma peça de teatro por aí. Recursos não faltam para o autor.

O primeiro conto, “Invasor”, flerta com o fantástico de Julio Cortázar e de Murilo Rubião. Não vou dizer em que contos o enredo bebe, para não estragar a surpresa. É a história de um gato que tem o tamanho de um homem, anda nas duas patas traseiras e troca os canais da TV com o controle-remoto, ocupando aos poucos o lugar do dono da casa. É uma boa porta de entrada para o livro de Jeferson Luis de Carvalho, pois seus contos invadem nosso cotidiano aos poucos, tirando-nos o tempo para outras coisas, ocupando o lugar de outros afazeres.

O cotidiano conturbado de casais aparece como tema em muitas das narrativas. A tranquilidade de um casal quebrada pela infidelidade da esposa, em “Incompreendido” e o casal que não se suporta, em “Interpretação”, servem como exemplo.

A relação paterna também está presente em muito dos contos, como por exemplo, “O melhor presente”, “Pescador” (a lição de que a pesca é uma metáfora da vida) e “Prorrogação”, este trazendo o futebol (assunto recorrente no livro) como elo entre pai e filho. Vale destacar essa frase: “Que o divertido de tudo está na incerteza, no fato de que não existe fórmula mágica, não há caminho melhor, há apenas vida e que eu deveria vivê-la da melhor maneira possível.”

 O diálogo (que, como escrevi antes, é bem explorado pelo autor) predomina em “Conversa pré-nupcial”, série de três pequenos textos que lembram as Crônicas da vida privada, de Luis Fernando Verissimo. É formado por diálogos também o conto “Roteiro”, que já havia me chamado a atenção quando o havia lido no blog do autor, onde já haviam sido publicados a maioria ou todos os contos do livro. Uma pessoa é abordada na rua por alguém dizendo que é, ou melhor, era o roteirista de sua vida e fora demitido porque não queria escrever uma história medíocre, sem emoção, que não fosse “nobre Literatura”. “– Não tenho como lhe explicar, apenas aceite, a sua vida é um imenso roteiro.” Em outras palavras, uma mentira.

Jeferson segue, no outros contos, usando a mentira como mote. “E eu menti, não podia deixar meus filhos, não podia abandonar minha família, menti a mais grave das mentiras”, diz um professor alemão em “A última sinfonia”, que trata da perseguição da Alemanha nazista aos judeus. Disputa com “Invasor” o posto de melhor narrativa do livro.

O conto “O homem que esqueceu a Fórmula de Bhaskara”, por seu turno, traz a felicidade de um menino que, de tanto estudar para obter uma boa nota em matemática, com medo de ficar privado de jogar futebol com amigos, recebe um 10. Felicidade temporária e mentirosa, é claro, pois a vida ainda lhe daria muitas notas baixas.


O título desta apresentação faz referência a uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, que também escreveu os seguintes versos sobre a mentira, no poema “Dois rumos”: “Mentir, eis o problema:/minto de vez em quando/ou sempre, por sistema?” Como leitor, espero que Jeferson Luis de Carvalho continue mentindo por muito, muito tempo.

Comentários

Odair José disse…
Boa tarde meu amigo.
Li seu blog e achei-o muito interessante. Adicionei ao meu e gostaria de uma parceria já que temos muitas coisas em comum. Se puder, adiciona o meu ai para uma maior divulgação. Abraços Poéticos!!!
Cassionei Petry disse…
Acho que discordamos bastante na questão religiosa, não é? Abraço.

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