“Com a razão em parafuso”
Um dos argumentos para os defensores de quem está no poder
(e que curiosamente há alguns anos tinham como missão lutar contra os
poderosos) é de que os que irão tomar o poder querem retomar a ditadura
militar. Curiosamente, estes defensores da democracia (que curiosamente querem
ser donos da palavra democracia e calar a voz de boa parte do povo que não
pensa como eles) se esquecem de que um dos partidos que apoiam os que estão no
poder tem origem, curiosamente, no
partido que detinha o poder na ditadura militar.
Os que defendem quem está no poder afirmam que quem tomará o
poder é um político corrupto. Curiosamente, esse político foi eleito pelos
mesmos votos de quem botou democraticamente os políticos que hoje estão no
poder.
Curiosamente, boa parte dos defensores de quem está no poder
é de artistas, intelectuais, professores, gente esclarecida, formadores de
opinião que acabam deformando a opinião, na medida em que expressam, refletem,
ensinam as outras pessoas a ter pensamento crítico, mas não deixam que esse
pensamento crítico seja contra quem está no poder. Nesse grupo, há músicos
censurados pelo poder da ditadura e que hoje não deixam que suas obras, que
antes expressavam a luta pela liberdade, sejam livremente utilizadas por outros
artistas que também clamam por liberdade. Com a leitura de muitos escritores
desse grupo, aprendi a não me curvar ante os poderosos. Hoje esses mesmo
escritores se curvam a quem está no poder.
Curiosamente, os defensores de quem está no poder dizem que
quem está no poder tirou milhões de pessoas da miséria, mas ao mesmo tempo
dizem que certa elite, a minoria da sociedade, quer tirar do poder os que estão
no poder porque essa elite despreza os pobres, que são maioria do país. Ou seja,
a pobreza ainda assola o país mesmo depois de mais de décadas de poder de quem
agora está no poder. Tudo muito curioso.
“O impeachment é golpe”, bradam os defensores do poder.
Curiosamente, estes defendiam o impeachment de quem ocupava o poder antes e aí
não era golpe. Curiosamente, defendem que os políticos que eventualmente
assumirem o poder devam sofrer impeachment, que então deixará de ser golpe.
Curiosamente, em um ato chamado “Mulheres em Defesa da Democracia”,
ocorrido em Brasília, mulheres expulsaram, hostilizaram e quase bateram em outra
mulher porque vestia uma camiseta com a frase “impeachment é democracia”.
Curiosamente, a presidente de todo o povo brasileiro, e também mulher, concordou
com a expulsão, em vez de chamar a cidadã brasileira para expor
democraticamente seu ponto de vista, mesmo sendo contrário à presidente. A
cerimônia acontecia no Palácio do Planalto e não em uma sede partidária.
“É a eterna contradição humana”, diz Deus ao Capeta no conto
“A igreja do Diabo”, de Machado de Assis. Está muito difícil para mim, que
ajudei a eleger em 2002 estes que estão até hoje no poder, compreender a atual
situação. Como escreveu o poeta Affonso Romanno de Sant’Anna em outro momento
da nossa história: “Estou confuso, obtuso,/com a razão em parafuso (...)”.
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