O verdadeiro mestre
Estou lendo, em uma
edição em espanhol, o livro Lessons of
the masters, de George Steiner. Há uma edição publicada pela Record, Lições dos mestres, porém esgotada, sendo
que na Estante Virtual chega a ser vendida por proibitivos R$ 165. Estou diante da obra de um grande mestre
escrevendo sobre outros mestres, tanto se referindo a professores em relação a
seus alunos quanto a sábios e seus discípulos.
Depois de citar os
óbvios filósofos gregos, mormente Sócrates e Platão, passando também pelo inevitável
Jesus Cristo, o livro aborda relações em que mestre e aluno acabam se envolvendo
afetivamente, como Heidegger e Hannah Arendt. Também retrata as personagens da
literatura que são mestres, como Fausto em relação a Wagner, seu criado e
aprendiz, e aqui Steiner se detém mais na peça de Marlowe do que na de Goethe,
ou o rato de biblioteca Causabon e sua aluna Dorothea, em Middlemarch, de George Eliot.
Como sou professor
há mais de dez anos (tempus fugit),
sou chamado de mestre por alguns alunos. Até tenho o título de Mestre em
Letras, o que hoje já não vale muita coisa. Qualquer professor, no entanto, é
mestre. O Houaiss nos informa que a expressão vem do latim magister, e significa aquele que manda, que dirige, que ensina,
portanto até um bandido pode ser mestre.
O professor conduz o
aluno à luz do conhecimento, ou assim pretende fazê-lo. Esse conhecimento, no
entanto, pode ser para o bem ou para o mal. O mestre pode conduzir sua massa de
alunos a seguir uma ideologia, a defender políticos corruptos tendo em mente
atingir outros políticos igualmente corruptos. Pode conduzir o aluno a venerar
uma entidade divina em detrimento a outras crenças. Pode também levá-lo a tão
somente questionar e a partir daí tirar suas próprias conclusões. É a forma
mais sensata.
Como professor de
literatura, tento conduzir meus alunos a ler obras literárias relevantes, ou as
que considero como tais. Tento conduzi-los a não ler superficialmente, entender
as metáforas, as simbologias, as relações intertextuais. O mais difícil é
despertar neles a paixão pelos livros, por mais que eu fale apaixonadamente
sobre eles, por mais que eu leia empolgado um poema, por mais que mostre os encantos
e mistérios de uma narrativa.
Acontece que o aluno
não está ali porque quer. Ele não é um discípulo que procura seguir livre e literalmente
os passos de Sócrates na sua atividade peripatética. Ele não está ali porque o
conhecimento é algo relevante para sua vida. O professor, pelo menos no tempo
que foge hoje, não tem a admiração dos seus alunos assim como os grandes
mestres tinham de seus discípulos, a não ser quando o professor é um amigão,
que faz o que eles querem para conquistá-los, inclusive deixar de ensiná-los.
O mestre que tenta
ser reconhecido pela excelência do conhecimento transmitido sofre o desprezo, a
indiferença, o desrespeito, com raríssimas exceções, claro. O verdadeiro mestre
não deve iludi-los. Deve mostrar que o mundo não é como queremos, não é amigão,
não faz nossas vontades. Sei que minha visão é trágica e pessimista, mas o
verdadeiro mestre é quem destrói nossos sonhos e nos desperta.
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