Sobre “Visión del ahogado”, de Juan José Millás
Visión del ahogado, de Juan José Millás, tem uma condução da narrativa que começa a
surpreender logo nos primeiros capítulos. O foco, sempre em terceira pessoa,
recai no primeiro capítulo sobre Jorge e pensamos que ele será, por
conseguinte, o protagonista. Nos próximos capítulos, no entanto, o foco vai
alternando entre os demais personagens. O ponto em comum entre todos é Luis, apelidado
Vitaminas, de quem Jorge era amigo desde os tempos da universidade. Este agora
está dormindo com a ex-esposa do outro, Julia, que tem uma filha com Luis, que por
sua vez está sendo perseguido pela polícia nas ruas de Madrid devido a um
assalto a uma farmácia, buscando remédios para sua febre (são os seus delírios
que inspiram o título do livro).
Uma testemunha que viu o fugitivo e faz a denúncia
aos policiais, Jesús Villar, também foi colega dos outros dois, e sua esposa,
Rosario, havia tido um caso com Vitaminas, sendo que ela era filha de um dono
de uma farmácia... Paro de falar para não revelar alguns detalhes e
coincidências que vão surgindo. Vale acrescentar que a narrativa volta ao
passado, relatando a amizade e os desejos contidos na época da academia, assim
como se situa também no ano anterior aos fatos do presente, quando Jorge se
aproxima de Julia.
Publicado em 1977, é
inevitável ler o romance e não fazer referências com o fim do franquismo na
Espanha. Julia tem medo de represálias da polícia por estar dormindo com outro
sendo que oficialmente não está divorciada, o que era proibido pelo regime.
Ambos também têm receios do porteiro, mesmo que ele se mostre prestativo e se
preocupe com os dois quando a polícia desconfia que Vitaminas possa estar
escondido no apartamento. Vitaminas tenta se esconder no subterrâneo do metrôs
e depois no porão do edifício de Julia. Ocultar, se esconder, fugir, desconfiar
e ter medo são símbolos de um tempo em viviam os espanhóis.
Dando estas pistas
para o leitor seguir, Juan José Millás escreveu um romance que não subestima o
leitor. Pena não ter sido traduzido por aqui, aliás, poucas obras do autor o
foram, nem mesmo seu best-seller juvenil Papel
mojado, sobre o qual já escrevi aqui na blog. Lacunas que ainda podem ser preenchidas
pelas nossas editoras.
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