Um belo rebento
Rebentar, primeiro romance de Rafael
Gallo (Record, 328 páginas), tinha tudo, pela sua temática, para ser um romance
piegas, sentimental demais, se tornar um best-seller e, por último, arrancar
lágrimas na sua adaptação para o cinema. O autor, no entanto, optou por fazer
literatura de verdade e, por conseguinte, não escolheu soluções fáceis ou um final
previsível e mágico. É um romance que requer paciência e ao mesmo tempo uma
imersão do leitor, caso queira desfrutar da arte literária.
Ângela é uma professora que deixou a profissão para ser única e
exclusivamente, durante mais de 30 anos, a mãe de uma criança desaparecida. O
pequeno Felipe sumiu quando tinha 5 anos, em uma galeria de lojas e nunca mais
foi encontrado. Ângela, porém, manteve durante décadas a esperança de encontrá-lo,
ajudada por uma ONG, denomina “Mães em busca”, porém se frustra, junto com o
marido, Otávio, depois de cada falsa pista, de cada falso Felipe que aparece em
algum abrigo. Uma dor incomparável: “Um filho desaparecido é um filho que morre
todos os dias. Nem mesmo nas mitologias mais cruéis há tragédia equivalente;
essa dor nenhum deus teve de suportar”.
Depois de muito refletir, no entanto, Ângela decide encerrar as buscas,
decisão que acarreta mais problemas, desencadeia novos conflitos, dela consigo
mesmo, dela com outras mães da ONG, cujos filhos também estão desaparecidos há anos,
dela com a irmã, que não concorda com a decisão. Recebe, no entanto, o apoio do
marido e da sobrinha, Isa, companheira de infância de Felipe, que cresceu com a
sombra do desaparecido e agora revela estar grávida.
O “rebentar” do título
aparece em muitos momentos. Ora o “rebento”, no sentido de filho, tanto o que
desapareceu e o que está para nascer, ora o “rebentar em choro”, ora “as ondas
rebentando nas rochas”. Esta talvez é a metáfora mais interessante. O vai e vem
das ondas do mar batendo em algo sólido, que resiste, mas que com o tempo vai
se desgastando. Assim é a vida de Ângela, em idas e vindas, sofrendo, entrando
em depressão, porém, firme, mostrando mais firmeza ainda na desistência. Desistir
de sofrer para renascer, rebentar novos frutos: “Sofrimento é só sofrimento,
Regina, não há nada de edificante nele”. O leitor acompanha esse movimento das
ondas, as repetições das reflexões, as mudanças de humor, as indecisões da
protagonista e corre o risco de sofrer junto com ela. Risco bem medido pelo
narrador.
Rafael Gallo, nascido em 1981, teve
sua estreia em 2012, com o volume de contos Réveillon
e outros dias, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura. Rebentar já recebeu importantes premiações e vem confirmar seu nome
como um dos mais relevantes atualmente. Como compôs Gilberto Gil, “Rebento,
substantivo abstrato/ O ato, a criação, o seu momento (...)/ Tudo o que nasce é rebento/ Tudo que brota, que
vinga, que medra”. Esperemos outros bons rebentos do autor.
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