Escrevi sobre "Céu subterrâneo", de Paulo Rosenbaum
Na minha colaboração com o blog do Gustavo Nogy, no portal do jornal Gazeta do Povo, escrevi sobre o romance "Céu subterrâneo", de Paulo Rosenbaum, editado pela Perspectiva:
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/03/14/uma-descida-makhpela/
Uma descida à Makhpelá
por Cassionei Niches Petry
Há
um tempinho considerável não lia um romance da literatura brasileira
contemporânea tão desafiador. Quando falo desafiador, me refiro àquela obra que
nos faz juntar as peças para montar um quebra-cabeça intelectual, mas é bom que
também não seja hermética, em que só os iniciados consigam entrar. Céu
subterrâneo (que nos desafia desde o título), de Paulo Rosenbaum (Editora Perspectiva, 2016, 249 páginas), é uma
mistura bem dosada de romance policial (ou de investigação), histórico,
metalinguístico e psicológico. O mais importante, porém, é que conta uma boa
história.
O
narrador-protagonista é Adam Mondale, que se afastou da universidade onde
exercia as funções de professor, pesquisador de comportamento animal e diretor
do Instituto de Psicologia. Os motivos são as modernizações do curso e os
consequentes conflitos com os colegas. Decide dedicar-se a carreira de escritor
e obtém uma bolsa que lhe permite viajar para Israel, onde estão suas raízes,
já que é descendente de judeus. Isso, porém, só ficamos sabendo depois do
primeiro capítulo, em que vemos o personagem sendo aconselhado a não deixar o
país por dois policiais que o procuram no seu apartamento. Ele não sabe o
motivo e nós, leitores, tampouco o sabemos. Adam passa, então, a narrar os
acontecimentos que antecederam a visita indesejada e o enredo começa a se
delinear.
“Se pudesse ser honesto, teria que
admitir, o verdadeiro agente de toda trama tem que ser o acaso”,
afirma o narrador. E é o acaso que o faz encontrar nessa viagem um negativo de
máquina fotográfica Polaroide em péssimas condições. Através de um laboratório
especializado, consegue revelar a imagem: pés enormes e em torno deles uma
porção de letras espalhadas de forma randômica. A busca por entender o que vê o
leva ao laboratório do cientista Dr. Hass. Através de um holograma (ou
holotrama), a revelação se torna ainda mais surpreendente.
Não
gostaria de revelar (percebam a reincidência do verbo) ainda mais do enredo ao
leitor. Resta dizer que essa jornada transporta Adam para Hebron, mais precisamente
à gruta de Makhpelá, onde estariam sepultados os patriarcas Abraão, Isaac, Jacó
e suas mulheres, bem como o primeiro casal bíblico, Adão e Eva. O lugar foi
explorado em 1967 por um expedição que levou uma menina de 12 anos, filha de um
militar, a entrar na estreita gruta. Paulo Rosenbaum se baseou nesse caso
verídico para desenvolver seu romance.
Além
do novelo religioso, metafísico e histórico que é desenrolado, a obra traz
interessantes reflexões sobre o fazer literário. Conversando com uma espécie de
mestre imaginário chamado Assis Beiras (que aparece citado nos agradecimentos
do autor no início do livro), Adam Mondale busca conselhos, pois precisa
cumprir o compromisso adquirido com a bolsa. Não sabe se vai escrever poesia ou
prosa, mas sabe que precisa se livrar do jargão acadêmico. Seu “deimon” alerta:
“seja lá o que for escrever, lembre-se,
tem que ser arrebatador!”
Paulo Rosenbaum segue o mestre, afinal o conselho era para ele mesmo (que igualmente recebeu uma bolsa para se dedicar à literatura em Israel), e nos presenteia com um romance digno de nota. Resta-me buscar o anterior do escritor, A verdade lançada ao solo, e o recente, de poemas, A pele que nos divide.
Comentários