Resenha sobre "Los peligros de fumar en la cama", de Mariana Enríquez
Crítica que escrevi sobre "Los peligros de fumar en la cama", de Mariana Henríquez (Editorial Anagrama), no blog do Gustavo Nogy no site da Gazeta do Povo: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/03/21/uma-escritora-que-da-medo/
Uma
escritora que me dá medo
por Cassionei Niches Petry
Já
escrevi para o site da Revista Amálgama uma resenha sobre outro livro de Mariana Enríquez, As coisas que perdemos no fogo, sua primeira obra traduzida no
Brasil. Los peligros de fumar en la cama (Editorial Anagrama, 208
páginas) é um livro anterior a este, publicado originalmente em 2009, mas que
mereceu uma reedição recente, porém é ainda inédito por aqui. Traz como
protagonistas mulheres adolescentes, apesar de não ser escrito exatamente para
essa faixa etária, enquanto o outro livro se centra em mulheres adultas. O medo
é o fio condutor das narrativas, o medo que atormenta não só as personagens,
mas também o leitor.
A
escritora argentina, nascida em 1973, já afirmou em entrevistas que gosta de textos
literários que mais sugerem do que mostram o terror. É isso que faz com que uma
obra desse gênero tenha qualidade, somando-se, claro, ao apuro linguístico. Os doze
contos de Mariana Enríquez preenchem muito bem esses critérios. Nada é muito
explícito, o que poderia deixar uma sensação de que pode ser tudo psicológico,
assim como pode ser uma alegoria de questões políticas que envolvem o passado
recente da Argentina.
O
conto que abre o volume se chama “El desentierro de la angelita” e começa com uma
menina encontrando, no quintal da casa, depois de uma tempestade, ossos que
parecem ser de um pequeno animal. Na sequência, no entanto, a revelação de sua avó
de que seriam de “la angelita” e a aparição (real ou alucinação?) desse “anjinho”
jogam a personagem e o leitor no terreno do sobrenatural. Em seguida, “La
Virgen de la tosquera” se passa em uma espécie de açude formado por pedreiras
abandonadas e mostra meninas capazes de qualquer atrocidade como vingança por
serem rechaçadas por um rapaz.
Em
“El carrito”, um mendigo que empurra seu carrinho de lixo joga uma praga para
os moradores de um bairro de Buenos Aires porque foi escorraçado de lá. “El
aljibe” é um conto que me fez lembrar das casas das benzedeiras aonde era levado
quando criança, lugares repletos de imagens de santos e velas e que me
provocavam medo.
“Rambla
triste” tem como cenário Barcelona, num lugar em que uma força sobrenatural,
relacionado a alguma culpa do passado, não deixa os argentinos que por lá vão
morar voltarem para sua terra natal. “El mirador”, por seu turno, a presença de
um fantasma que atormenta a já atormentada protagonista, me remete a outro medo
que tenho: de ser preso em um lugar sem que ninguém possa ouvir meus gritos de
socorro.
Em
“Dónde estás corazón”, a protagonista tem um fetiche por ouvir corações doentes
e encontra inclusive uma rede na internet composta por pessoas com a mesma
fantasia. Já em “Carne”, fãs de um roqueiro, agindo como as Mênades da
mitologia grega, levam à risca as suas letras, numa espécie de culto depois da morte
do ídolo. “Ni cumpleaños ni bautismos” tem como protagonista um cinegrafista
que recebe uma solicitação de trabalho muito estranha: filmar as possessões
demoníacas de uma jovem.
“Chicos
que faltan” é um conto que foi
mais tarde ampliado, dando origem a um romance curto. Lembra bastante a série
“Resurrection”, porém foi escrito anos antes. Relata casos em que crianças e
adolescentes desaparecidos e dados como mortos voltam com as mesmas
características de quando sumiram. Zumbis? Fantasmas? A referência à ditadura
argentina é notória, assim como no último conto, “Cuándo hablábamos con los
muertos”, em que jovens brincam com o tabuleiro ouija, porém despertam não
apenas espíritos, mas também todo um passado nebuloso do país.
O
conto “Los peligros de fumar en la cama” lembra um episódio na vida de Clarice
Lispector, que quase morreu queimada ao dormir com o cigarro aceso, entorpecida
com comprimidos para dormir. Na história de Mariana Henríquez, a personagem faz
furos com o cigarro embaixo do lençol, querendo ver “un cielo estrellado sobre
su cabeza”. Aqui o suspense é a tônica, o leitor se angustia com a
possibilidade de acontecer algo.
Mariana
Enríquez é para mim uma das melhores escritoras que apareceram nos últimos
tempos, ao lado de Samanta Schweblin. Ambas são rainhas do medo e só poderiam
ter vindo de onde vieram, do país que tem a melhor literatura do mundo.
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