"Jeremias falou", conto inédito



Foi publicado um conto meu inédito (o último texto de ficção que escrevi) no jornal Fuxico, do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana, da Bahia. Infelizmente houve uns problemas na edição que o deixaram incompreensível, por isso segue abaixo o conto original para quem quiser ler.

Jeremias falou
por Cassionei Niches Petry


Jeremy spoke in class today
Eddie Vedder


Jeremias falou com o pai sobre o que vinha sofrendo no colégio. Como resposta, ouviu: “filho meu não traz desaforo pra casa. Se apanhar na rua, apanha em casa também. Responde à altura, ora.”

Ele não tinha, porém, a mesma força que os outros. Mas isso ele não falou para o pai. Não era de briga, era calmo, só queria ficar no seu canto, lendo ou ouvindo no “walkman” sua banda favorita, que narrava as angústias que ele sentia. Pensava em compor suas próprias canções e os temas seriam a incomunicabilidade com os pais, a solidão como escolha de vida, seu mundo pessoal.

Jeremias falou para o pai que queria mudar de colégio. A resposta foi negativa. Jeremias falou que outra escola poderia oferecer uma educação melhor, os professores atuais estavam mais preocupados em politizar seus alunos do que qualquer outra coisa. Seu pai negou mais uma vez e apenas disse que ia reclamar com a diretora.

Jeremias não falou para o pai que sabia o esconderijo da arma. Levou-a consigo para a aula e anotou mentalmente quais eram seus agressores, enquanto caminhava segurando o revólver que estava sob a jaqueta com o emblema do colégio. Foi ao banheiro e se trancou em um dos sanitários. Não foi para a sala de aula. Puxou seu caderno de anotações e anotou os nomes que havia gravado mentalmente. Também registrou os motivos, tudo aquilo que poderia ser evitado e não foi.

Saiu do banheiro e se dirigiu ao auditório vazio. Ligou uma das caixas de som e aumentou o volume do microfone. Retirou a arma e a colocou sobre a mesa de discursos. Faltavam alguns minutos para a troca de períodos. Quando deu o sinal, Jeremias falou:

–Atenção. Quero que todos venham ao auditório. Alunos, professores, funcionários. Prometo ser breve no que vou falar, assim como breve é a vida.

Enquanto iam todos se acomodando, sem entender o que estava acontecendo, a diretora se aproximou do palco. Jeremias, porém, mostrou discretamente a arma e falou para ela se afastar. Atônita, não disse nada para não alarmar os alunos e provocar uma correria.

Jeremias em vez de falar, pensou. Por que motivo iria explicar algo para quem não tinha vontade alguma de entender? Arrancou as folhas do caderninho, amassou-as numa bolinha de papel e a engoliu. Todos o olhavam sem entender, como sempre. Jeremias então pegou o revólver, que falou por ele.

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