Respondi a meia dúzia de perguntas do Gustavo Nogy
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/gustavo-nogy/2018/04/14/meia-duzia-de-perguntas-para-cassionei-niches-petry/
*Meia dúzia de perguntas para
Cassionei Niches Petry*
1
Crítica literária é, ou pode ser, literatura?
Crítica
literária pode ser literatura quando o escritor elabora a linguagem procurando
um efeito estético. Se ele está preocupado tão somente em escrever algumas
coisas sobre um livro, seguindo fórmulas acadêmicas ou jornalísticas, então não
é literatura, e sim, no máximo uma análise acadêmica ou jornalismo cultural. Além
disso, o bom crítico incomoda, assim como todo bom escritor. Alceu Amoroso Lima
afirmou que “crítica é uma forma de arte”. Northrop Frye disse o mesmo: “A
matéria da crítica literária é uma arte, e a crítica evidentemente é também uma
espécie de arte. Isto soa como se a crítica fosse uma forma parasitária da
literatura, uma arte baseada noutra arte preexistente, uma cópia de segunda mão
do poder criador.”
2
Quais críticos você lê e são suas referências?
Atualmente,
leio mais críticos de língua espanhola, como o mexicano Christopher Domínguez
Michael e o espanhol Ignacio Echevarría, que não se furtam a criticar o que
acham realmente ruim (Echevarría foi demitido do jornal El País em 2004 por
criticar um livro da editora cujos donos eram os mesmos do jornal) e recebem
críticas de suas críticas, ou seja, o que escrevem repercute. No Brasil, vale a
leitura do Rodrigo Gurgel, o mais corajoso crítico que temos, apesar de
discordar de suas ressalvas quanto ao niilismo na literatura. Jerônimo Teixeira
também é leitura indispensável, criador de algumas polêmicas. Alfredo Monte
também, apesar de sua doença, está se esforçando para nos oferecer boas
críticas. Até há pouco não deixava de ler José Castello, que no entanto se
tornou um panfletário partidário. Durante um tempo ele me influenciou na
maneira de abordar as obras.
Dos
críticos brasileiros antigos, no momento leio Wilson Martins e Álvaro Lins.
Quanto
a influências, antes de tudo queria ser crítico para receber livros de graça,
de editoras e escritores, sem o compromisso de escrever sobre os livros e,
muito menos ter de elogiá-los. Lembro-me que o saudoso Paulo Bentancur dizia
que sua biblioteca era enorme e que tinha de se desfazer de muitos exemplares
que ganhava. Antonio Hohlfeldt, gaúcho como o Bentancur e eu, também declarou
isso em uma entrevista. Isso foi a primeira coisa que me motivou. Hoje até
recebo livros de uma grande editora e de alguns escritores, sem compromisso
(apesar de depois ser bloqueado nas redes sociais por escrever algo que não
agrada a quem me presenteou).
Na
adolescência, acompanhava as críticas na Zero Hora, jornal de Porto Alegre, e
na extinta revista Blau, duas publicações a que tinha acesso aqui no interior
do Rio Grande do Sul. Na ZH, eu lia o Jerônimo Monteiro (hoje na Veja) e o
Sergius Gonzaga (que para minha honra escreveu a introdução de um de meus livros
de contos), cujo livro Curso de
Literatura traz muitos apontamentos críticos sobre os clássicos. No mesmo
jornal escrevia o Marcelo Backes, cujas críticas me marcaram muito,
principalmente as demolidoras, como as que fez sobre Letícia Wierzchowski e Altair
Martins. Outro texto polêmico dele foi “Viva a crítica que dá pau!”, uma
espécie de profissão de fé, publicada na revista Blau, que também publicou “A
arte da crítica em 46 teses”, de Miguel Sanches Neto, outro crítico que me
influenciou, e que escreveu durante anos para a Gazeta do Povo. Entre as teses,
esta: “O bom crítico sofre de estrabismo. Ele
nunca enxerga as coisas da mesma forma que os outros.”
Depois
disso, vieram as revistas Bravo!, Cult e Entrelivros, além do jornal Rascunho, com
alguns críticos que eu lia muito. Algumas dessas publicações se extinguiram,
outras tomaram rumos equivocados.
Nesse
meio tempo entro na universidade. Não cursei nenhuma cadeira de crítica no
Curso de Letras, mas a ementa nos prometia, entre as possibilidades de trabalho
na área, a profissão de crítico, o que me fez brilhar os olhos. Doce ilusão. De
qualquer forma, as sugestões de leitura e a boa biblioteca me apresentaram a
críticos e teóricos como Antônio Cândido, Massaud Moisés (cuja notícia da morte
me pegou justamente quando elaborava estas respostas), George Steiner, Harold
Bloom (estes dois através das leituras do caderno “Mais!”, da Folha de São
Paulo disponíveis na secção de periódicos, onde também lia os cadernos “Ideias
e Livros”, do JB, “Prosa e Verso”, de O Globo, “Cultura”, do Estadão, “ADN”, do
La Nación e “Revista Ñ”, do El Clarín), Northrop Frye e tantos outros.
3
Não é incomum que críticos errem – e feio – na avaliação de livros e escritores
que depois foram reconhecidos como grandes, e também o contrário. É mais fácil
errar enaltecendo um autor que o tempo revelará medíocre, ou subestimando um
gênio?
A
Leyla Perrone-Moisés escreveu que “o tempo é também juiz dos críticos
literários” e, citando o português Eduardo Loureço, disse que são “as obras que
julgam os críticos”. Enaltecer é sempre mais cômodo, afinal há interesses por
trás. Sobre o gênio, acho difícil surgir algum hoje em dia. Grandes mestres se
equivocaram sobre grandes obras, porém mais acertaram do que erraram.
4
Há diferença entre crítica literária e ensaio sobre literatura. Como você
distingue isso?
A
crítica hoje é um texto geralmente mais curto cuja função é julgar, enquanto o
ensaio geralmente é mais longo e tem como função analisar. Acho interessante
uma definição que faz Christopher Domínguez Michael, mencionando também a
resenha e outras formas. Para ele, e faço aqui uma tradução livre de um
discurso seu, “a resenha é uma expressão mínima em extensão de uma arte maior,
a crítica. Esta se manifesta através do polimorfo ensaio, embora também seja
realizada através do tratado histórico, a fenomenologia filosófica, a
dissertação acadêmica, a poesia (Alexandre Pope), o aforismo (os casos são
numerosos) e um largo et cetera.
5
O meio literário é receptivo à crítica, ou os humores, as vaidades e as
políticas ainda contam muito? Isso mudou – melhorou, piorou – com a internet?
Hoje
há, é claro, mais resenhistas e a maioria quer agradar as editoras,
principalmente para receber livros, compartilhamento da editora e, quem sabe,
uma publicação com ela. Uso a expressão resenhista não só pelo tipo de texto
que se escreve, mas também porque quase ninguém quer ser chamado de crítico,
pois o nosso meio literário tem horror a críticos, apesar de, como afirma Leyla
Perrone-Moisés, os escritores reclamarem sempre da crítica, porém “desejam a
atenção desses profissionais [ou amadores, acrescento] para seus livros, quer
por mera vaidade, quer pelo desejo legítimos de serem lidos e divulgados”. Não
à toa recebo cortesias de escritores que gostariam de ver um texto meu sobre
seus livros. Alguns recebem muito bem uma apreciação negativa, enquanto outros
acabam “desfazendo amizades” nas redes sociais e até bloqueando o crítico, ou
somente o ignoram.
O
que vem atrapalhando mesmo é a questão política. Há quem desdenha um crítico
por este ter posições políticas diferentes do escritor (ou por não se
posicionar), assim como há críticos que não gostam do que escreveu o escritor
por sua ideologia.
6
Como é que um leitor “comum” se transforma num crítico? O que ele tem de saber,
aprender, ler, considerar para fazer carreira como crítico literário?
Paul de
Man escreveu que a "crítica é uma metáfora para o ato de ler".
Gostaria de saber o caminho para fazer carreira como crítico literário, pelo
menos a profissional. Parece que há alguns no Brasil, mas são poucos. Recebi só
uma vez remuneração por um texto crítico, na verdade direitos autorais para uma
resenha que escrevi numa coluna de jornal que eu assinava. Serviu de exemplo do
gênero textual “crítica ou resenha crítica” em um livro didático, com várias
questões para os alunos responderem.
Se se compreende carreira aqui
simplesmente como um caminho, para segui-lo é importante ler e ler muito. Não
sou daqueles que acham que basta ler pouco, mas com atenção. Negativo. Tem que
se ler bastante e de tudo, inclusive várias áreas do conhecimento, algumas
dessas leituras aí sim com mais atenção, dependendo do objetivo de ler. Também
é preciso assistir a bons filmes, assistir à TV, ouvir música, apreciar obras de
arte, enfim, ter um leque grande de conhecimento para poder fazer relações,
criar títulos para chamar a atenção, perceber a intertextualidade, etc. Não
sei se estou no caminho certo, mas estou trilhando o meu próprio caminho, que
pode ser interrompido logo ali adiante.
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