Contos do fim do mundo
No conto “O espelho”, de Machado de Assis, o personagem
Jacobina, logo depois de contar sua peculiar história a uns amigos, retira-se
rapidamente, deixando-os refletir sobre o relato, fugindo da possibilidade de
pedirem explicações mais detalhadas. Machado, de certa forma, é o próprio
Jacobina, porque saímos de suas narrativas com a sensação de “tá, e agora?” e
ele parece responder “te vira, leitor, o resto é contigo”. Não deixa de ser uma
premissa importante para o gênero conto, deixar o final em aberto. Luís Augusto Farinatti segue o mestre
no seu primeiro livro, Verão no fim do mundo (Editora Modelo de Nuvem, 126 páginas),
guardadas, obviamente, as devidas proporções.
Ambientados em sua maioria em lugares do interior do Rio
Grande do Sul, os contos retratam pessoas que vivem distantes dos grandes
centros e que, por isso, têm suas vidas marcadas pelo esquecimento, pelo
abandono, por certo conformismo em viver uma vida carente de atrativos. Como
moro numa cidade do fim do mundo, reconheci alguns personagens como se fossem
meus vizinhos. Conheço, por exemplo, a Madalena do conto “Laranja azeda”, com
sua casa que ainda tenta resistir às construções e muros que a rodeiam, com o
quintal com árvores que aos poucos vão morrendo e onde as galinhas comem o
milho que a dona joga no chão. Tem um sobrinho ingrato, criado por ela, mas que
deseja lhe tirar a casa, por isso precisa pedir ajuda a estudantes de Direito
da universidade local. Madalena se conforma em perder a ação e fica admirada com
o fato de a papelada toda ter que ir para Porto Alegre, para a capital,
imaginem, tudo com o intuito, segundo os incompetentes aspirantes a advogado,
de ganhar tempo para ela encontrar outro lugar para morar. Um conto comovente.
A pacata população interiorana também pode ser violenta,
como em “Forasteiro”, em que um ladrão é torturado por moradores depois ter
roubado um carro. A melancolia e a perda, por sua vez, causam o suicídio em
dois contos. Mas há também a descoberta do amor e a frustração de adolescentes
em “Reunião dançante”, conto que me fez relembrar os primeiros “nãos” das
meninas nas festinhas de garagem ao som de Scorpions e Guns N’Roses.
O melhor conto é o que abre o livro, “Lembranças dos teus
familiares”. A partir do velório e após o enterro de um tio-avô, o narrador
percebe que há conflitos familiares que ele desconhecia, mas que ainda não são
revelados de todo. O leitor fica também, como ele, querendo saber mais. A
história dá o tom das outras narrativas, sempre sugerindo algo que poderia ter
sido e que não foi. Farinatti consegue criar narradores que escamoteiam muito
bem os acontecimentos e fazem o leitor levantar os olhos das páginas do livro
para devanear.
O escritor espanhol Enrique Vila-Matas escreve, em artigo
sobre La parte inventada, de Rodrigo
Fresán, presente no volume recém-lançado Impón
tu suerte, que os livros que realmente lhe interessam são aqueles que o
autor começou sem saber do que tratavam e que os terminou na mesma penumbra. Os
contos de Luís Augusto Farinatti passam essa sensação. O escritor não sabe e,
por conseguinte, o leitor também não. Relações familiares perturbadas? Incomunicabilidade?
Melancolia? Como Jacobina, Farinatti desce as escadas enquanto nos recuperamos
do que ele recém nos contou. E com um risinho no canto dos lábios.
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