Minha coluna do jornal Arauto, 20 e 21 de setembro
Emil
Cioran, um filósofo romeno que me detona todas as vezes em que leio seus
escritos, escreveu em uma de suas obras que “um livro é um suicídio adiado”.
Coloquei este aforismo como epígrafe do romance que espero publicar nos
próximos meses e que tem como um dos temas a morte voluntária. Como já o concluí,
comecei a escrever outro livro, também falando sobre o assunto, afinal, como afirmei
em outras crônicas e ensaios, enquanto reflito sobre o suicídio, não o cometo. A
escrita nos mantêm vivos.
O
artista francês Édouard Levé, no entanto, concluiu seu breve romance
intitulado “Suicide” (Suicídio) e
se enforcou dez dias depois de entregar o manuscrito a seu editor, em 2007, aos
42 anos. A obra, que tem 180 páginas e foi publicada pela prestigiada editora
francesa Gallimard, é narrada em segunda pessoa, como se fosse uma carta. O
narrador se dirige a um amigo da juventude que tirou sua própria vida,
refletindo com ele as causas de sua morte e também seu comportamento enquanto
vivo, suas relações, suas conquistas, suas perdas e decepções. “Tua morte
escreve tua vida.”
A
julgar pelas características do amigo, somos levados a vê-lo como o próprio Édouard
Levé, com a exceção da forma da morte: o personagem se mata com um tiro e não
enforcado: “Não vacilaste. Preparaste a escopeta. Meteste um cartucho.
Disparaste na boca. Sabias que os suicídios com arma de caça podem falhar se o
atirador aponta na têmpora, na testa ou no coração, pois o recuo desvia o cano
do alvo.” Mas temos aqui também um estudante de Economia e fotógrafo como o
próprio autor, assim como é casado e sem filhos. É uma espécie de continuação
do romance anterior, “Autoportrait” (Autorretrato), este sim declaradamente
autobiográfico.
Sendo
assim, o romance não deixa de ser um acerto de contas consigo mesmo, um
olhar-se no espelho, uma viagem interior. E o leitor, por sua vez, também se vê
envolvido, pensando que poderia ser ele nessa situação, ou que poderia ter
feito algo para impedir, porém não o faz. O fluxo da narrativa é fragmentário,
não há uma ordem, justamente simbolizando a cabeça angustiada de um suicida ou
do amigo que tenta entender as escolhas de alguém: “Te concentravas em
intermináveis sessões de dúvida. Te consideravas um expert na matéria. Porém
duvidar te cansava tanto que acabavas por duvidar da dúvida”.
O
tema vem a calhar, pois neste mês há uma campanha denominada “Setembro
amarelo”, visando a prevenção do suicídio e alertando as pessoas sobre a
importância de falar sobre o assunto, considerado um tabu e cujas notícias são
escamoteadas. Leituras como a desse livro, ainda não traduzido por aqui, podem
ser uma boa maneira de reflexão, nos fazendo entender e, quem sabe, tentar
ajudar aqueles que dão sinais de desejar “a indesejada das gentes”, expressão
que Machado de Assis usou como eufemismo para a morte.
No final do romance, Levé acrescentou um conjunto
de poemas compostos por três versos. Em um deles, lemos:
"O
palavreado me perde
A
polêmica me inflama
O
silêncio me compensa".
Pois
o que se espera é que não haja mais silêncio sobre a morte voluntária.
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