"Sobre querer ser escritor", minha coluna no jornal Arauto
Quero ser escritor. Sou escritor, de certa forma, pois já tenho três
livros publicados, pouco lidos, é verdade, mas tenho. Escrevo para este jornal
e para sites de cultura, já escrevi para jornais de Porto Alegre e dois textos
meus foram parar em livros didáticos, rendendo direitos autorais. Sou escritor,
mas desconhecido e frustrado. Talvez por tudo isso eu me sinta atraído por
histórias que tenham escritores como personagens, enredos que tratam de suas
angústias, de seus desejos, de seus amores, de seus projetos que não vingam. Se
na capa há uma máquina de escrever, meus olhos se arregalam.
As mais de 500 páginas de Contar tudo,
de Jeremías Gamboa (nascido em 1975, em Lima, no Peru) editado
por aqui pela Alfaguara (li, no entanto, a edição em língua espanhola da
Mondadori), tem esses elementos. Gabriel Lisboa, cuja semelhança de nome com o
autor não é por acaso, quer ser escritor. Ficamos sabendo desde o início e já
intuímos que o livro que estamos lendo é finalmente o livro que ele escreveu.
Sabemos, portanto, o final. São os caminhos trilhados por ele, no entanto, que
importam. Estudante de jornalismo, pobre e criado pelos tios, Gabriel consegue
estágio na redação de uma revista durante as férias. É ali que aprende
verdadeiramente como se trabalha numa redação e é também onde conhece colegas
que, como ele, também gostariam de ver seus livros publicados, mas não
conseguem desenvolver literatura tendo que se dedicar a escrever notícias: “...
tens de deixar de bobagens e escrever (...).O jornalismo vai te matar. Vai nos
matar a todos”, diz Saúl, seu editor na revista.
O ponto de virada acontece quando, depois de estabelecer
uma carreira jornalística promissora, chegando inclusive a cargos mais elevados
e com salário melhor, resolve largar tudo para se dedicar à escrita. Suas vãs
tentativas de criar algo, assim como as relações amorosas (principalmente com
Fernanda, filha de uma família muito rica que não o aceita por ser de origem
pobre) que acabaram não dando certo, passando pelas reuniões da turma de amigos
aspirantes a uma carreira literária, são os momentos mais interessantes do
enredo. Aparece a gênese de alguns enredos que resultaram nos contos de Punto
de fuga, primeiro livro de Jeremías Gamboa. Chamou-me ainda a atenção
que Gabriel Lisboa narra o mesmo problema na pele, provocado por espinhas no
rosto, que teve Charles Bukowski.
O que ajudou e ao mesmo tempo atrapalhou a publicação do
romance foi o exagerado marketing em cima do livro. Logrou depoimentos
elogiosos do Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, foi bancado pela lendária agente
literária Carmen Balcells e foi alvo de uma propaganda que criou uma
expectativa muito grande antes mesmo de ser publicado. Por isso, a crítica
esperou muito do romance e ele não ofereceu o que prometera. É um bom livro,
não é excelente, não ditou e não vai ditar novos rumos para a literatura como
um Roberto Bolaño, a quem chegou a ser comparado. Gamboa sabe, porém, criar uma
boa história, prender o leitor e utilizou muito bem os recursos literários,
quando, por exemplo, trocou o foco narrativo da 1ª pessoa para a 3ª, para
simbolizar o amadurecimento da personagem, quando as coisas começam a dar certo
para ele. É um nome a que se deve ficar atento.
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