Bolaño na minha coluna no jornal Arauto
Um Bolaño que faltava
A Companhia das Letras poderia ter lançado há mais tempo a
tradução de “A literatura nazista na América”, de Roberto Bolaño, mas os acontecimentos atuais no país acabaram proporcionando
o momento oportuno, já que por aqui se discute se nazismo é de direita ou de
esquerda (como se fizesse diferença) e muitos acusam o primeiro mandatário do
nosso país de ser um reencarnação de Hitler. A obra, publicada originalmente em
1996, revelou ao mundo literário hispano-americano aquele que viria a ser um
fenômeno mundial depois de sua morte, em 2003.
Apesar de ser vendido como romance, o livro é
inclassificável. Bolaño afirmou em uma resenha sobre “Bartleby e companhia”, de Enrique Vila-Matas ─ publicada na
coletânea de artigos e entrevistas Entre
parêntesis ─, o que poderia ser atribuído a seu próprio livro: é “um
romance híbrido, que reúne o melhor do conto e do jornalismo e a crônica e o
diário de vida”. “A literatura nazista na
América” é um conjunto de verbetes de uma enciclopédia fictícia, trazendo
biografias inventadas de escritores de diferentes países, simpáticos, de certa
forma, ao nacional-socialismo ou ao fascismo, num arco que vai de 1880, data de
nascimento do argentino Mateo Aguirre Bengoechea, até 2029, data de falecimento
do chileno Willy Schürholz, muitos anos depois da publicação da obra, portanto,
o que a faz flertar com a literatura de antecipação, como acontece com o
romance póstumo de Bolaño, “2666”.
Os verbetes, escritos na 3ª pessoa, trazem desde ano de
nascimento e morte dos autores, acrescidos de comentários muitas vezes críticos
sobre suas respectivas obras, além de relatos biográficos que, muitas vezes,
conformam narrativas que prendem o leitor. Por isso não descartaria denominar os
textos de “contos a la Borges”, pois a sombra do mestre argentino está
presente, lembrando que, por seus posicionamentos políticos, ele poderia estar
contemplado no livro, se é que um dos escritores retratados não seja inspirado
nele.
Um dos capítulos destoa dos demais por ser uma narrativa em
1ª pessoa. Traz a história do chileno Carlos Ramírez Hoffman, que escrevia seus
poemas nos céus de Santiago utilizando a fumaça de um avião. Esse poeta seria
retomado no romance posterior de Bolaño, “Estrella
distante”, porém com outro nome. Bolaño
usou muito esse recurso de reaproveitar personagens em boa parte de sua obra.
No que se refere a escritores brasileiros, os verbetes mencionam
dois escritores. Luiz Fontaine de Souza, nascido no Rio de Janeiro em 1900 e morto
em 1977, tem um obra extensa e volumosa, principalmente na área de filosofia,
como a Refutação de Voltaire. Já o capítulo
sobre o fictício Amado Couto foi, segundo se especula nos bastidores, motivo
para a saída de Rubem Fonseca da Companhia das Letras em 2009, depois que a
editora começou a traduzir os livros de Roberto Bolaño. Fonseca é citado
nominalmente como uma fonte de inspiração para Amado Couto e isso não teria sido
do agradado do autor de A grande arte.
Esse talvez tenha sido o real motivo do adiamento da
tradução de A literatura nazista na
América. Valeu, porém, a espera.
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