Minha coluna de hoje no jornal Arauto é sobre novo romance do Enrique Vila-Matas
Na minha coluna no jornal Arauto deste fim de semana, escrevo sobre novo romance do Enrique Vila-Matas, ainda não traduzido aqui no Brasil:
A seita dos montanos
Na nossa seita, a espera por um novo livro do mestre Enrique
Vila-Matas vem se tornando um ritual. Não somos uma instituição organizada, não
nos reunimos fisicamente e tampouco virtualmente. Perpetuamos, no entanto, uma
adoração aos livros, uma fé na Literatura. Cremos que Vila-Matas, nascido em
Barcelona, em 1948, é o enviado para escrever nosso Livro Sagrado. Nossa seita,
na verdade, não existe. Eu a estou
fundando agora e buscando adeptos. Seremos chamados de “os montanos”.
O novo capítulo do Livro Sagrado é Esta bruma insensata
(Seix Barral, 311 páginas), lançado na Espanha neste ano, ainda sem tradução
para o português. Mais uma vez nosso mestre mistura ficção com ensaio,
discutindo temas literários já abordados em outras obras, como os escritores
ocultos, que desaparecem como forma de aparecer. É a citação, entretanto, que
aqui ganha seu lugar de destaque na trama. A defesa da “prática da arte das
citações que havia patenteado – ainda que não desenvolvido – George Perec nos
anos sessenta” (tradução minha). Seria George Perec nosso João Batista?
Simon Schneider entra na galeria de personagens
vila-matianos que são doentes de Literatura. Um montano, portanto. Seu irmão,
Rainer, chamado de “Gran Bros”, também o é, de certa forma. Em que pese o
primeiro ajudar o outro a distância (sendo muito bem remunerado, é verdade),
fornecendo citações literárias para seus livros (chamado de hokusai), a relação de ambos é conflituosa.
Caim e Abel? Esaú e Jacó? A tradição de irmãos na Bíblia que se digladiam
encontra um equivalente no nosso Livro Sagrado.
Simon vive escondido porque seu trabalho assim o exige. Ele
escreve e traduz para outros brilharem, apesar de tentar seu brilho próprio.
Resta-lhe viver na bruma. Rainer vive também na bruma mas porque assim o deseja
e por isso brilha, faz sucesso. Uma espécie de Thomas Pynchon (que será
importante no clímax, ou anticlímax, da narrativa), um escritor de culto (e
oculto), que não se deixa ser fotografado, não dá entrevistas, se refugiando em
alguma lugar dos Estados Unidos. O irmão mais velho, por sua vez, vive na
Espanha, mais precisamente em Cadaqués, na Catalunha. O pouco que se comunicam
é através de e-mail, numa
correspondência apenas profissional. Até que o irmão resolve voltar à terra onde
nasceu.
Para quem não faz parte da seita, Esta bruma insensata pode ser apenas mais um livro que tem
escritores como protagonistas. Sabemos, não obstante, que este romance (novela, em espanhol) é como um evangelho
da Bíblia, que traz visões sob outros ângulos da fé cristã. Por isso nossa
percepção de que o Livro Sagrado está em andamento. O último será o Apocalipse,
narrando o fim definitivo da Literatura. Esperamos que demore para ser escrito. Amém.
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