Júlio Nogueira deu sinal de vida
Júlio
Nogueira me mandou um e-mail do seu retiro intelectual para dizer por que andou
parando de escrever. Mergulhado apenas nas leituras em meio a seus milhares de
livros na biblioteca – construída durante mais de 50 anos no mínimo –, ele me
conta que o mundo de hoje já não é mais aquele que era o seu. Cansou de ficar
horas elaborando frases, refletindo sobre assuntos da mais alta complexidade e
tentando colocar a alta literatura no seu lugar de direito, que é no alto
mesmo, superior a toda e qualquer outra forma de escrita. Sua voz não ecoou,
não repercutiu quando tentou postar nas redes sua filosofia literária. Enquanto
isso, qualquer bobagem dita/escrita, qualquer “obra” de um artista medíocre,
qualquer “videozinho” postado por celebridades ganham mais relevância. Basta
vender bastante ou ter centenas de milhares de visualizações nas redes sociais
para alguém ganhar o status de escritor, de revelação literária, de grande
artista ou até de crítico literário.
“Há alguns
anos, Cassionei, uma bienal do livro deu destaque aos tais vídeos de dicas
literárias. Hoje vale mais um comentário tartamudo de um jovem recém-saído ou
ainda na barra de saia da mãe do que uma análise escrita por um sujeito que tem
décadas de leituras nas costas.” Júlio é um sujeito mais velho, é verdade, mas
gente menos velha, como eu, concorda com ele. Há uma supervalorização dos
vídeos em detrimento à crítica escrita. Aliás, nem crítica existe mais.
Falando
nisso, respondi o e-mail dizendo que, por causa dele, dois escritores me bloquearam
nas redes sociais. Acontece que publiquei alguns textos do Júlio no meu blog e
em um deles criticava levemente os autores. Repercuti nas redes sociais e, de
repente, não tive mais acesso ao Facebook e ao Twitter dos intocáveis gênios. E
olha que um deles mereceu em outra oportunidade uma resenha elogiosa minha, que
ele compartilhou todo orgulhoso.
O autor dos
esboços da minha biografia não autorizada, publicada no site Digestivo
Cultural, me respondeu dizendo que era para me acostumar com isso e não esperar
boas reações nem mesmo às críticas elogiosas. “Uma vez mandei uma carta a um
consagrado escritor, criticando seu último romance. Não recebi nenhuma réplica.
Anos antes havia mandado outra carta, elogiando-o. Recebi um agradecimento
efusivo, me convidando, inclusive, para beber uma cervejinha com seu grupinho
de amigos literatos que se reuniam todas as quintas num bar badalado no meio
intelectual de São Paulo. Não fui, é óbvio.”
Tenho uma
pontinha de inveja do Júlio Nogueira, que não precisa mais escrever e publicar
para ser visto, até porque não quer ser visto. Quer apenas ler, ler e ler.
Disse que, na verdade, continua escrevendo sim, porém para consumo próprio,
como vinha fazendo há muitos anos. Seus cadernos e arquivos no computador estão
abarrotados de textos inéditos que, talvez, só depois de sua morte venham à
tona. Ele ia começar a nos dar o prazer ou o desgosto de poder lê-lo, mas
começou tarde e desistiu cedo demais a praticar seu projeto. Deve estar neste
momento mergulhado em um volume de Dostoiévski, anotando, sublinhado,
escrevendo, refletindo sobre a leitura. Ou pode estar produzindo alguma ficção,
mais uma entre as dezenas que ele diz manter guardadas. “Sou egoísta,
Cassionei, não foi sobre isso que você andou escrevendo esses dias?”
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