O adeus a um grande crítico


(Na minha coluna do Jornal Arauto deste fim de semana)

Esta coluna leva um nome que tem muito em comum com Harold Bloom, crítico literário e professor norte-americano que morreu na segunda-feira, aos 89 anos, um exemplo de quem carregava uma biblioteca na cabeça. Coincidentemente, conheci o mestre a partir de sua coluna no extinto caderno Mais!, da Folha de São Paulo, mesmo nome deste suplemento do Arauto. Aliás, Bloom era um arauto da alta literatura e atacava ferozmente os que defendiam fatores extraliterários ─ principalmente os politicamente corretos ─ para avaliar um livro, o que ele denominou de Escola do Ressentimento.

Harold Bloom era uma hipérbole ambulante. Consta que lia incríveis 400 páginas por hora, devido a sua memória fotográfica. Tinha uma paixão enorme pela literatura, uma fé cega em Shakespeare e não economizava elogios rasgados aos escritores de seu cânone pessoal que se torna ocidental. Essas e outras características o transformaram num grande crítico, talvez o maior de todos, num grande professor e num grande ensaísta, publicando calhamaços como “Shakespeare: a invenção do humano”, com quase 900 páginas, ou “Gênio: os 100 autores mais criativos da história da literatura”, de mais de 800 páginas. Sua obra visa analisar o maior, o melhor, o supra sumo, como se pode ver no tão adorado e ao mesmo tempo detestado “O cânone ocidental”, de 700 páginas, em que analisou escritores que para ele são os melhores, “obrigatórios em nossa cultura”, conforme escreveu no prefácio, lembrando que cânone é o que serve de modelo, o padrão e, no sentido religioso do termo, o que deve ser aceito sem ser questionado, um dogma. E quem somos nós para discordar de Harold Bloom?

Mais modesto na extensão (200 páginas), “Abaixo as verdades sagradas” é uma boa dica para começar a ler o autor, pois traz resumidamente algumas de suas ideias, como a visão de que a poesia é a forma essencial de conhecimento, mais do que qualquer crença, ou a do agon literário, que é, nas suas palavras, “a luta de cada indivíduo para responder ao tríplice problema concernente às forças em disputa do passado e do presente: mais? Igual a? ou menos que?”. Ou seja, o poeta tem um embate com aqueles que vieram antes dele, o que Bloom chama de “angústia da influência”.

Duas obras também mais acessíveis foram lançadas no Brasil: “Onde está a sabedoria?” e “Como e por que ler?”, que servem como guia de leituras. Neste último, escreve: “Lemos não apenas porque, na vida real, jamais conheceremos tantas pessoas como através da leitura, mas, também, porque amizades são frágeis, propensas a diminuir em número, a desaparecer, a sucumbir em decorrência da distância, do tempo, das divergências, dos desafetos da vida familiar e amorosa.” Uma boa justificativa para o ato de ler.

O crítico literário brasileiro Wilson Martins afirmava que a crítica é uma espécie de “triálogo” entre Autor, Crítico e Leitor, sendo que o crítico faz a análise e o leitor faz o julgamento final. Harold Bloom tinha esse papel triplo, afinal criou uma voz própria ao analisar as obras (seu estilo é único na forma de escrever) e fazia questão de se declarar um leitor apaixonado acima de tudo. Em “O cânone americano: o espírito criativo e a grande literatura” escreveu: “(...) só posso escrever tal como leciono, de maneira muito pessoal e passional. Poemas, romances, contos, peças só têm importância se nós temos importância. Oferecem-nos o venturoso dom de mais vida (...)”.


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