Sobre "As baleias do Saguenay", de João Batista Melo



Na minha coluna deste fim de semana no jornal Arauto.

A baleia sobe à superfície

Prestes a completar 25 anos do lançamento, João Batista Melo reedita seu segundo volume de contos, “As baleias do Saguenay”, agora pela editora Moinhos. O primeiro livro do escritor mineiro, “O inventor de estrelas”, foi uma obra marcante na minha vida, quando me caiu nas mãos quando ainda estudava no antigo 1º grau, e continuou me acompanhado, inclusive como influência na construção da minha estreia na literatura, principalmente em relação aos temas e ao uso de epígrafes.

Detentor de prêmios importantes, como o Paraná, “As baleias do Saguenay” traz enredos densos, em que o ser humano se vê em situações inusitadas, geralmente um estrangeiro, um estranho em algum lugar estranho (num país diferente, num mar cheio de monstros, na imensidão do espaço), que enfrenta forças externas que ora estão a seu favor ora estão contra. No conto-título, um brasileiro, doente em estado terminal, decide rever as baleias que emergem numa foz de um rio no Canadá, tal qual o Capitão Ahab, que vai em busca de Moby Dick, sabendo que seu fim é inevitável. Aqui, porém, os animais o protegem, resultando numa imagem poética dos instantes finais de sua vida. Por outro lado, em “Retratos de uma paisagem”, um turista espanhol e seu companheiro chegam a um lugar paradisíaco, onde se fala a língua portuguesa, porém a condição de gringos resultam num grande problema para eles.

Realismo e fantasia se misturam em seus relatos, bem escritos e inventivos, utilizando gêneros diversos, como a ficção científica. João Batista Melo é a prova de que a crítica não desdenha a chamada literatura de gênero. O exigente Wilson Martins, por exemplo, elogiou a qualidade dos contos do autor que seguem essa linha: “Tanto quanto no realismo mágico, a ficção científica deve ser fictícia na ciência e realista na ficção, como se vê num dos melhores contos (Uma voz).” Este relato conta os últimos dias de um tripulante solitário de uma nave à deriva no espaço e que se comove com uma voz de uma mulher transmitida pelo rádio, que provavelmente teve o mesmo destino que ele terá, porém, se presume, anos antes. Em outro conto, “FC”, o narrador é um escritor de ficção científica: “Vidente, cartomante, enxergo em bolas de cristal um futuro que talvez algum dia possa existir”. A identidade desse escritor, revelada no final, não deixa de surpreender.

Dois outros contos do livro fazem parte de um subgênero da ficção científica, a história alternativa, em que se modificam fatos da história, na perspectiva do “e se...”. Em “O caminho das Índias”, um experiente marinheiro da frota de Cristóvão Colombo narra uma história diferente da que conhecemos, assim como em “A moça triste de Berlim”, que especula: e se o dirigível Hindenburg, “uma baleia flutuando entre os pássaros”, tivesse explodido no Brasil, por obra de um opositor da ditadura Vargas? 

Influências de outros escritores são percebidas: “O homem que fraudava latas” poderia ser um dos tantos contos de Ignácio de Loyola Brandão cujos títulos começam com “o homem que”; um personagem de outro conto lê um livro de Adolfo Bioy Casares e a atmosfera do enredo lembra os contos do argentino; já “Os caminhos do vento” me remeteu ao José J. Veiga de “Sombras de reis barbudos”.

O volume ainda nos apresenta “Depois do crepúsculo”, uma história de assombração, e “A lanterna mágica”, uma história de amor e um lamento pela extinção dos cinemas de calçada, que dão lugar a prédios funcionais nas grandes cidades.

João Batista Melo é um escritor que publica pouco, mas o faz com competência. Vez ou outra emerge como uma baleia para respirar. Fico, então, na espreita, para não perder o espetáculo.

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