Luiz Felipe Pondé na minha coluna de hoje
Os piparotes de Pondé
Boa parte da obra de Luiz Felipe Pondé vem sendo reeditada
pela Globo Livros, uma bela oportunidade para conhecer de forma sistemática o
pensamento do polêmico professor de Filosofia, colunista de jornal e
comentarista de rádio e TV.
Um dos relançamentos é “A era do ressentimento”, de 2014, um
dos livros da fase, digamos, mais popular do filósofo. O primeiro foi “Contraum mundo melhor”, de 2010, mas antes publicou obras de estudos acadêmicos. A
guinada foi a partir do momento em que assumiu uma coluna no caderno Ilustrada,
da Folha de S. Paulo. Seu objetivo era alcançar um público mais amplo, fora da
bolha universitária, e o conseguiu de uma forma que não subestima a
inteligência do leitor mais experimentado e, ao mesmo tempo, faz o leitor mais
comum entender o recado. Ou pelo menos fingir que entendeu.
“No futuro, não seremos lembrados como a era do iPad, nem da
Apple, mas como a era do ressentimento”, diz num dos conjuntos de ensaios e
aforismos do livro. Pondé, um provocador nato, critica aqueles que se sentem
injustiçados por seus pares, pelas sociedade, pelo sistema, e veem outros se
dando bem, no que ele chama de “complexo de Salieri”, referência a “Amadeus”,
filme de Milos Forman que ficcionaliza a relação musical entre o famoso Mozart
e o não tão famoso Salieri, que inveja o sucesso e o talento do autor de “A
flauta mágica”.
O filósofo também comenta sobre as “políticas do ressentimento”,
que acontecem quando se diz que todos temos o direito à felicidade e, se não
somos felizes, a culpa é sempre do outro. Afirma que “as políticas do
ressentimento servem para negar nossa responsabilidade em nossa miséria”,
dialogando com Theodore Dalrymple, autor do livro de ensaios “Qualquer coisaserve”, para quem é o “ressentimento, a mais longeva, gratificante e daninha
das emoções humanas”. O psiquiatra britânico escreve no ensaio “É tudo culpa
sua” (de onde Pondé retirou a expressão que dá título ao seu livro) que nunca
foi um exemplo sobre o assunto: “Durante grande parte de minha juventude, achei
que uma infância infeliz como a que eu tivera me autorizava a falhar e servia
como desculpa para meus inúmeros tipos de fracassos e incompetências”, até descobrir
que o ressentimento é um labirinto: “e, se me permitem recorrer a uma mescla de
metáforas clássicas, é preciso cortar o seu nó górdio”.
Sobram até para o incensado Paulo Freire algumas chispas
pondeanas. Em “Pedagogia dos ressentidos”, Luiz Felipe Pondé refere-se à
“pedagogia do oprimido”, sem citar o nome do educador. Aponta que a “ideia de
colocar no centro da sala de aula o ‘oprimido’ transformou-se numa das maiores
marcas dos idiotas do bem, devastando, no caso específico, a educação”, sendo
que se escamoteia “o cerne do problema da socialização: resolver o drama de
como lidar com o fato de que o mundo é indiferente e existem muitas pessoas
melhores do que eu”.
Sempre fui um ressentido, muito pela frustração de ver algumas
figuras se dando bem no meio literário, enquanto eu só amargava fracassos. Aprendi
a lidar com isso e perceber que a culpa é minha, que talvez não tenha feito por
merecer um reconhecimento maior. Isso me fez muito bem. Entre uma recaída e
outra, vou levando a vida sem criar expectativas (não confundir com esperanças,
lembra o próprio Pondé), sendo pessimista até e, por conseguinte, as decepções
são menores. Pensadores como Pondé e Dalrymple, nos dando um piparote a la
Machado de Assis, nos ajudam mais do que qualquer “coach”.
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