Sobre “As parceiras”, de Lya Luft
“Éramos uma família de mulheres doidas”, diz uma personagem
de “As parceiras”, de 1980, primeiro romance (ou novela, como diz o texto de
orelha da primeira edição) de Lya Luft. É assim o universo da escritora gaúcha,
de Santa Cruz do Sul, que apareceu com destaque no cenário literário brasileiro
como tradutora e estreou como ficcionista aos 40 anos.
As protagonistas de seus primeiros livros são mulheres que
sofrem intensos conflitos familiares e psicológicos, num cenário crepuscular e
os enredos se desenvolvem sempre numa ambiguidade bem construída, num tom denso
que exige muito do leitor. Para Caio Fernando Abreu, “suas histórias, de uma
poesia mórbida, desvendam um submundo emocional em que poucos se atreveram a
penetrar”.
“As parceiras” tem como protagonista Anelise, que narra sua
vida em capítulos que correspondem aos dias de uma semana, de domingo a sábado,
em que passa na casa de praia da família, o velho Chalé. As lembranças de seu passado
servem como tentativa de entender seus conflitos existenciais, trazendo nesse comboio
de emoções as figuras que viviam à sombra de sua avó Catarina, que se casou
cedo, aos 14 anos, contrariada (“Jogaram com ela um jogo sujo. Não podia mesmo
aguentar”) com um homem bem mais velho, que tinha relações forçadas com ela
(ele aparece na narrativa só para “emprenhar” a mulher, pois vive sozinho numa
de suas fazendas), gerando 4 filhas, uma delas anã. Por fim, viveu alguns anos isolada
no sótão do casarão, numa espiral de loucura que a levou ao suicídio. Quando Anelise
fala para sua irmã que achava a avó parecida com Virgínia Woolf, que era “esquisita,
tinha umas manias, vivia com medo de tudo, de homem, de coisa” e que tinha “a
cara dela, Vânia, o jeito assustado”, a irmão responde: “ – Você lê demais, vai
ficar louca também”.
O vocábulo “parceiras” do título pode se referir às mulheres
da família, parceiras do infortúnio da vida; também a Adélia, amiga de Anelise no
início da adolescência (“o primeiro amor da minha vida, numa idade em que as
almas interessam muito mais do que os corpos”), que morre ao cair (ou se jogar)
de um rochedo; ou à vida e à morte: “Então a traidora não era só a morte: era a
vida também, a parceira, a outra bruxa soprando velas na noite”.
Os homens aparecem como figuras apagadas: além do avô e do
pai, morto em um acidente junto com sua mãe, há o seu primo, Otávio, que a
iniciou sexualmente, e o marido, Tiago, cujo relacionamento entra em declínio
por ela não conseguir ter filhos, sendo vítima de abortos espontâneos, como
também acontecia com a avó. Quando nasce o filho, o Lalo, acontece um problema
no parto e o bebê tem lesão cerebral.
Como escreveu a crítica literária Regina Zilberman, “nas
novelas de Lya Luft, as personagens punem a si mesmas (...), não mais podendo
suscitar um projeto de vida, antes o suicídio ou isolamento”. O destino de
Anelise é ambíguo, o final fica em aberto, mas se depreende que está entre
essas duas pontas. A narrativa de “As parceiras” termina deixando o leitor
perturbado, depois do desfile de personagens cujas vidas reproduzem o ser
humano não sua máscara trágica.
Ao contrário do que estão querendo apregoar nos últimos
dias, Lya Luft tem uma obra sólida, que sustenta a escritora, sem importar o que o ser humano Lya pensa politicamente. Ela não precisa provar nada a
ninguém. A obra responde por ela.
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