Na minha coluna de hoje, escrevo sobre romance de Deonísio da Silva
“Apenas os mortos são silenciosos”
Lemos o romance já sabendo o que vai acontecer com o
protagonista, Stefan Zweig, escritor austríaco de origem judaica, que se
refugiou no Brasil com sua esposa Charlotte, enquanto Hitler espalhava o terror
na Europa. Quem conhece minimamente os bastidores da literatura, sabe o seu
triste fim: ele irá morrer. Ignoramos, no entanto, a suposta verdade sobre a
morte. Teria mesmo cometido suicídio junto com a esposa? Ou teria sido
assassinado?
É com essa premissa que Deonísio da Silva nos apresenta
“Stefan Zweig deve morrer” (Almedina, 142 páginas), novo título para o romance
“Lotte & Zweig”, publicado originalmente em 2012. A reedição vem a calhar
para um romance que merece um reconhecimento maior não só por ser uma bem
arquitetada peça literária, mas pela polêmica que levanta.
O romance se divide em duas partes. Na primeira, temos as
reflexões do próprio Zweig no seu último dia de vida, preparando o café da
manhã na casa onde vive, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro
de 1942, enquanto Lotte dorme (será que está mesmos dormindo?) no quarto do
casal. São pensamentos sobre a guerra, que “mata milhões na Europa, mas os
brasileiros parecem alheios a isso”, sobre a condição judaica e a perseguição
de Hitler, sobre a dificuldade de aprender a língua portuguesa, “que é doce,
mas é também difícil e sem objetividade”, sobre livros (“O melhor amigo do homem
não é o cachorro, é o livro”), sobre o suicídio (“quem já não pensou em partir
desta para outra vida, não por seus próprios meios, mas de sua livre
vontade?”). Fala sobre sua biografia, os motivos de estar no Brasil e faz os
preparativos da partida definitiva do casal.
Na parte II, em terceira pessoa, com exceção de trecho do
diário de Lotte, somos apresentados a outros personagens que ora planejam o
assassinato do casal, caso de Joseph e Frida e outros membros de uma
organização nazista, ora investigam as mortes que já aconteceram, afinal há
indícios de que algo diferente de um suicídio possa ter acontecido, como a
expressão do cadáver da mulher, por exemplo. É aí que entra “o desconfiado
Jeremias”, escrivão, um leitor contumaz, que diz ao delegado, a quem auxilia,
que lê “bastante pra ser menos bobo”. E acrescenta: “Se o mundo pra mim já é
muito confuso, imagine se não lesse nada!”
Seria “Stefan Zweig deve morrer” um romance de tese? Em
princípio, o enredo apresenta dados que demonstram que o escritor foi assassinado
junto com sua mulher a mando do Hitler e com a ajuda de Getúlio Vargas, que
teria ajudado na farsa do suicídio. No entanto, a primeira parte e o capítulo
“Lotte: pedaços de um diário”, da segunda parte, nos fazem voltar à direção já
conhecida, pois o casal afirma o pacto suicida e se prepara para realizá-lo:
“Lotte, descansa, digo para mim mesma, achando que talvez o único meio de obter
descanso seja imitando a mariposa, que, exausta de voar, interrompeu o voo
nessa janela chamada Petrópolis, onde hoje vejo o mundo”. Vale lembrar que
Zweig escreveu narrativas que têm como um de seus temas o suicídio. É o caso do
seu romance mais conhecido, “Vinte quatro horas na vida de uma mulher”.
Deonísio da Silva, nessa obra e em outras de sua atividade
literária, parte de fatos reais para fazer ficção. E na ficção, as verdades
ficam suspensas para que a mentira venha jogar luz sobre a realidade. Essa
técnica magistral do escritor nos tira da conformidade e nos faz questionar,
sem impor uma resposta definitiva, por mais que o autor acredite numa. Cabe ao
leitor construir suas próprias respostas, se é que são necessárias.
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