O leitor no triângulo
“Um gato no triângulo” prova que Marcos Rey não era só um bom
contador de histórias, que seguiu uma fórmula de sucesso e a perpetuou em
sucessivos recordes de venda, principalmente no âmbito da literatura
infanto-juvenil, mas também na adulta, com “Memórias de um gigolô”, adaptado
para uma série de TV. Agora a técnica de narração, em que os não-ditos instigam
o leitor a completar as lacunas, somada à simbologia do triângulo, que logo se
revela ser amoroso, prendem o leitor num enredo aparentemente banal.
Miguel é um jovem que
mora com seu padrinho, depois de sua mãe, a empregada da casa, morrer. O
padrinho é Rômulo (seria o pai que não assumiu a paternidade?), também dono de
uma banca de peixes na feira, onde Miguel é ajudante. O velho o humilha,
fazendo questão sempre de dizer que sustenta o afilhado. Por isso, Miguel tem
um sentimento de ódio por ele, não de gratidão. No entanto, sente-se preso no
lugar por não saber fazer outra coisa senão viver à sombra do outro. É daqueles
seres sobre quem Oscar Wilde diria que na verdade não vivem, apenas existem.
Um dia o dono da casa resolve contratar alguém para fazer os
afazeres domésticos, livrando Miguel dessas tarefas. A escolhida é Eugênia, por
quem o jovem logo se apaixona. O patrão, no entanto, tem outros planos em
relação a ela. A mulher, por sua vez, demonstra-se ambígua em relação aos seus
sentimentos, se é que tem algum. Forma-se, então, o triângulo. O gato da casa,
chamado Sultão, representa a narrativa que se esquiva do leitor, o engana, foge
dele, mas o espreita, como se dissesse, me decifre, humano, ou te devoro. Ou o
gato seria o leitor, acompanhando os fatos e analisando os vértices do
triângulo? “Aposto que passa o tempo a estudar-me como se eu fosse um bicho
misterioso, ponderou Miguel”. Há ainda um fiscal da feira, que vai aos poucos
se mostrando tão misterioso como o gato e interfere na trama.
O desenrolar da narrativa reserva algumas surpresas e
quebras de expectativas, mas também traz um viés trágico que o leitor já espera
pelas características das personagens, afinal, o que faria um homem com o
coração ferido, outro que sente velho e imprestável, mas que pode comprar tudo
com o dinheiro, e uma mulher que está cansada de uma vida de pobreza? “(...) eu
não quero que me aconteça o mesmo que aconteceu com minha mãe e minhas irmãs.
Casaram com homens pobres e apenas sofreram”.
Wilson Martins, um ferrenho crítico literário, disse em uma
entrevista que Marcos Rey foi um autor injustiçado, não reconhecido pela
crítica. Apesar de o próprio autor desconfiar do romance, apontando hesitações,
“Um gato no triângulo” é uma peça da mais alta elaboração artística, apesar do
estilo direto do escritor.
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