A verdade escondida

 


Minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje.

 “Às vezes não nos contam toda a história”, diz o diretor de um filme dentro de outro filme, Império dos sonhos, de David Lynch. O filme dentro de um filme, um sonho dentro de um sonho, um corpo dentro de outro corpo, o tempo dentro de outro tempo, uma história dentro de outra história. São assim os filmes e séries de David Lynch. Quem assistiu a todas as temporadas da série Twin Peaks, sabe do que estou falando. O que foi aquilo!

Gosto de obras de arte assim. Um quadro de Magritte, um romance de Vila-Matas, um conto de Cortázar, uma música de Humberto Gessinger. Metaficção. Matryoshka. Ororoboro. Segui por este caminho em alguns de meus contos e nos romances que publiquei. Alguém pode fazer o favor de ler os livros deste pobre escriba?

Volto, no entanto, à frase do diretor, que contava ao casal de atores sobre um fato acontecido com o casal de atores da primeira versão desse filme. Um assassinato. Ninguém queria contar à equipe atual sobre uma possível maldição para quem participa desse trabalho. Esconder os fantasmas, imaginários ou reais.

Às vezes não nos contam toda a história que rola na política, por exemplo. Apesar de muita coisa estar vindo à tona, há muita coisa escondida. Talvez quando o governo mudar, saberemos de mais coisas podres. Saber esconder é uma arte dos políticos.

Nossos pais também não nos contaram tudo. Descobrimos muitas coisas da vida através dos amigos, de leituras e hoje através da facilidade da internet. Os pais queriam nos proteger. Às vezes, seria melhor ter sabido da vida por eles. Talvez estavam certos. Hoje somos pais e não contamos tudo para nossos filhos. Aliás, já sabem mais do que nós.

Também não contamos tudo para nós mesmos. Quem teima em não ver a realidade porque quer justificar seus erros, como votar errado, mente para si mesmo, não quer enxergar a realidade, quer defender suas ideias com unhas e dentes. Cuidado se usar prótese dentária! Ela pode ficar presa na carne podre.

A boa ficção também esconde, não conta tudo. Histórias mastigadinhas e colocadas na boca do leitor não são boa Literatura. Há quem goste, mas então não gosta de Literatura, gosta simplesmente de uma boa história. Uma boa história não é necessariamente boa Literatura. E boa Literatura não é necessariamente uma boa história.

Aliás, as boas histórias estão sendo contadas hoje pelas séries de TV ou da Internet. Nem todas as histórias, porém, estão sendo contadas. Nem toda a história. Nem mesmo a História, com a H maiúsculo, está sendo bem contada.

Gostaria de te contar a verdade, caro leitor, porém também a estão escondendo de mim. Mas desconfiemos, sempre, de tudo e de todos. Talvez o véu caia sem percebermos.

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